quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Cardápio natalino

Natal é quando confirmo meu talento jornalista barraqueira: qual será a revelação bombástica desta vez? Quem se pegará pelos cabelos? Qual o presente disputado até a morte no amigo secreto ladrão? Algum filho de primo descobrirá a farsa do tio caricato travestido em Papai Noel dos trópicos?
Nesta reunião do desperdício gastronômico suspendo minha irreversível atuação como mãe dos meus pais. Antes de conciliar vinho e remédio para hipertensão, fazemos sinal da cruz na taça do pai e seja o que Deus quiser! Faço vista grossa para o diabético mergulhando no manjar gourmet da tia que faria bonito no MasterChef. Também não implico com o sedentarismo “mulher é que é Amélia de verdade!” da mãe.
Todo ano prometemos não cozinhar o suficiente para receber metade dos refugiados da Síria, mas sempre sobra para que todos saiam de marmita a tiracolo. Sou a única que emagrece nas festas sem comer carne. A parentada também se reveza na criação de novas caretas para meus pratos naturebas.
Mas nem tudo é Comédia da Vida Privada na noite das músicas melancólicas de Simone. Devo contar umas histórias aos sobrinhos curiosos. Ajudar a irmã dele a fazer fotos no celular dum primo tomado generosamente pelo espírito de compartilhamento deste fim de ano. Faremos escambos de vestidos entre primas. Nos revezaremos na maquiagem coletiva. Pode ser que um novo talento musical se revele no especial do Roberto. E já que este ano teria resposta para as cobranças lugar comum de sempre, deveria levar plaquinha inspirada na Herbalife “casei! Pergunte-me quando”!
Uma tia meticulosa fará decorações artesanais que tomarão a semana de férias em trabalhos demoradíssimos. Outro tio com talento para pinguço criará nova versão de ponche tupiniquim. O sobrinho que lembra como o tempo passa rápido ensinará vexatoriamente, mais uma vez, alguma função escondida no celular mil e uma utilidades. Os pais – demos graças ao Senhor! – não enfiarão uma faca no pescoço para cobrar pelo concurso do qual fugi quase vinte anos. Servidora da educação com alto potencial para pânico ou voz minguante, pois não? Era o que tinha para tomar posse na virada de profissão da meia idade e se reclamar, tem mais troca de área antes da minha aposentadoria.
Quando todos estiverem suficientemente alcoolizados para apoios literários intra familiares, sacarei a nova publicação desta temporada e o velho mote de sempre “podia estar roubando, podia estar matando, mas só estou pedindo que compre meu novo livro”. O potencial de arrecadação para os jantares da excursão da virada é significativo.
Depois da meia noite todos agregados surgem com lembrancinhas, alguma pinga ou pernil, no revezamento “feliz Natal itinerante para todas famílias”. A tia com o melhor pacote de TV por assinatura deve pedir que a deixem ver uma série ou especial repaginado na HBO ou GNT. Um quarto de hora adiante deve emergir saudades dos avós ou de algum agregado com família contra mão demais para chegar a tempo de comer o resto do chester.
Não devo escapar do questionamento a respeito do aumento da família. Cáspita! Alguma perguntinha inconveniente devia ficar mesmo descoberta. Justificarei que a nova gata quer exclusividade de território em casa ou que três não são compatíveis com o ímpeto motoqueiro do casal. Devia dizer Virada no Jiraia que perdi o timing de usar meu lado lúdico domesticamente. Divirto aí o filho alheio. Mais econômico e menos cansativo.
Sentirei falta do violão do tio, cuja pressão baixa tem dado sono no precursor dos artistas familiares cada vez mais cedo. Os primos do teatro chegarão ainda com figurino de gnomo da última ação natalina em shopping. Os parentes do outro estado ligam mais ou menos quando a cerveja esquenta. Tios mais desgostosos de ter saído do amigo secreto ladrão com camisolas proverão o troca-troca das lembranças, enquanto as mães oferecem mais pudins.

É praticamente um roteiro de Porta dos Fundos, mas por aqui também nos esparramamos em colos saudosos, pedimos massagem nos pés e agarramos os pequenos dos primos mais ágeis na exploração dos nossos instintos paternais. De sete a oito meses de percalços trabalhísticos e amorosos devem ser postos em dia entre a primaiada. Uma madrinha ou pai me farão trocar os brincos ou mudar a fragância usada atrás da orelha com demonstrações súbitas de generosidade. Meia dúzia de amigos escreverá via Face ou enviará artes de boas festas pelo zap. Amigas das tias de longa data chegarão com cachorro, peru ou sorvete. Havia a opção de fazer test drive de Natal na sogra, mas em se tratando de festa familiar, melhor assegurar as risadas altas, exageros de sempre, discussões relâmpago e esquecimentos a jato aos quais nos habituamos há décadas. No script em que já temos papel cativo sempre abrem-se espaços para demonstrações efusivas de afetividade súbita. E nesta altura do campeonato, apesar das expectativas pelas últimas novidades, já não há revelações tão surpreendentes. Em se tratando de Natal, a acomodação ao amor quase italiano familiar é aceitável. Até incentivada.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Escrever é resistir

Finalmente consegui doar uma aula numa escola ocupada! Tudo bem que fui como apoio da aula de literatura e resistência, de colegas e lá na zona oeste - bem, perto de casa não tive muito retorno... Fomos num grupo de cinco professores, pois a ideia era auxiliar com a revisão. Tem um tempozinho que desconfiava que dar aula para adolescentes interessados devia ser outro esquema. Para os adultos a fim do EJA tem sido assim. E nada me tirava da cabeça que havia sim, adolescentes querendo o que tínhamos estudado e propúnhamos como oficina, debate, troca... 
Literatura foi e sempre será minha paixão inveterada: descambamos no jornalismo por gostar de escrever - quando prestamos o que fazer com uma ânsia dessa? Jornalouquismo. Algum tempo de estrada e cabeçadas mais tarde aquilo não faz sentido: estudamos apenas redação jornalística e já ensaiava meus livrozinhos e versos há décadas.
Pois foi nas oficinas do Museu Lasar Segall, Casa das Rosas, com as escritoras do projeto biográfico A História que Você Tem que Contar e no grupo livre de escrita na casa da ex chefe, atual amiga que fui burilando mais as crônicas, poesias, contos e até ensaiei diário de viagem. De lá vieram participações em crônicas e agora, edito meus livros solo que virão por publicação fomentada.
Bem, era estudo e experimentação demais pra uma tarde só. Hoje ajudei a revisar, dei dicas "para gostar de ler" e especialmente, troquei ideias com os estudantes ocupando a E.E. Ciridião Buarque, na Vila Ipojuca, em São Paulo. A riqueza da sala de aula são as pessoas mesmo e sempre serão. Um deles me contou que hoje era o primeiro dia que conseguia ir, pois os pais não queriam que participasse: "mas olha, à tarde as aulas são sempre bagunçadas, está tudo organizado, na aula de vocês ninguém interrompeu, atrapalhou, participaram com o que tinha a ver, impressões sobre a cobertura da imprensa distorcendo tudo, do que conhecemos sobre o que passaram para nós. Estou espantado"!
A outra que conversei, Giovana, vinha da Amorim Lima, uma escola municipal democrática em que tudo é definido em parceria com os interessados e no Estado foi um choque de ponta a ponta "o sinal era meu primeiro susto. Sabíamos que hora entrar e tínhamos interesse na municipal em que fiz o fundamental. Sempre passeávamos lá e em três anos aqui, nunca aconteceu uma excursão. Aquela lista enorme de chamada, somos só um número, ninguém nos ouve, conhece, quer saber o que nos move... Um projeto das praças aqui perto ficou anos tentando apresentar o que fazem e negociar parceria, mas nunca houve abertura da direção, só agora ficamos sabendo. Nem lista de chamada rolava na Amorim. Tudo aqui é meio fábrica, linha de produção, impessoal".
Outro estudante comentou que a escola tinha sim, sido paga por nós com nossos impostos. Uma participante contou que o que a mídia denomina reorganização eles chamam de desorganização. Uma aluna comentou que gosta da Ligia Fagundes Telles. Foi muita troca rica, vimos que estão tocando a cozinha e fazendo as assembleias com propriedade, como desconfiava para o movimento ter crescido tão rápido. Essa é uma formação para a vida e não só para preencher documentação pedagógica.
Moral da história: não é que eles não queiram nada com nada, somente nunca foram consultados sobre o que os interessa, Basta dar uma checada nas oficinas que estão agitando e conferindo em diversos colégios: mediativismo, feminismo. resistência pacífica, teatro da resistência...
Eu lembrei minha época de Fora Collor. Outro professor foi da geração Diretas Já. São esses meninos articulados, conscientes, contestadores que estão gestando essas escolas mais bem geridas por eles, adolescentes, que pela tucanalha. Quando eu voltar a ser adolescente, quero ocupar minha escola.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Lapidando a Forrest Gump de saias

"Sou o pirata da perna de pau/ olho de acrílico"... Não cabe na música, mas o último quase um mês foi voltar ao velho tampão da infância de modo atualizado: grudar um acrílico no olho para não coçá-lo à noite - não por acaso tive um professor de física que nos aconselhava a não coçá-los até o orgasmo e olha que ele nem sabia que sou glaucomatosa. Nas últimas três semanas tive coceira da fita crepe, arranquei o tampão com o namorado acordando com o barulho e pedindo para recolocar e até acordei com ele na mão sem lembrar de tê-lo tirado. Mas diverti a Peteca jogando bolinhas de fita crepe pra que corresse atrás, amarradona. A única vantagem foi não ter colega de escola me chamando de pirata, eu brigando e ir parar no castigo. Perdi dois colírios, os alarmes não tocaram, descobri que esforço é muito mais que carregar peso, furei o repouso sem me ligar, depois também fiz de conta que não era comigo e... rezei. Tomei patada de gata. Estudei, desisti de curso com dor no coração, revi amigas mais preocupadas com minha rebeldia cirúrgica que eu mesma, perdi bolsas de oficinas, cansei mais revendo conteúdo que pondo a mão na massa. Tive um fiapo esperançoso pelo caminho. O olho deu uma sangradinha e a vermelhidão parte em suaves prestações. Adiantei as férias sem querer e alterno entre leitura, visitas, filmes e tédio. Atualmente me sinto feito o jogador Amaral do Palmeiras ou a Marta Suplicy pós botox visitando o CEU aqui perto, com um olho abrindo e o outro fechando. Começo o post nesse balanço para confirmar que uma vez jornalista, sempre jornalêra: nossa visão crítica  beira o insuportável. Como meu inferno astral está acabando, estou naquela inevitável fase de fazer balanços, sejam lá quais forem. Não temos nem um mês útil pela frente mais. Já estamos cruzando com decorações natalinas, ouvindo ou lendo "boas festas". Me parece o primeiro em muitos anos em que as coisas melhoraram horrores: finalmente meu trabalho me parece significativo. Fico enlouquecida com burrocracia, como também fiquei em comunicação, mas ensinando, contando história, formando, editando livro, propondo projeto em grupo, volta e meia algum retorno muito humanizado faz a ralação toda fazer algum sentido. Esse que fiquei quase décadas procurando. Às vezes encontrava em algum retiro, mas sair das bolhas de espiritualidade e voltar ao "sanguenozoio" da comunicação desmoronava qualquer construção de paz de espírito. No jornalismo também elogiaram texto, me chamaram de argumentadeira, fui um razoável iniciadora de estagiários e assistentes com os quais ainda tenho contato e se deram bem, obrigada, mas... Tudo era corporativo demais para alguém tão passional e lúdica como eu. Tenho toda licença de ser brincalhona de ponta a ponta nas creches. Para alegria do coletivo, sento e quase faço psicografia de projeto. Os alunos são uma graça, as chefes das chefes e os professores também. Por ser insuportavelmente idealista ainda me pego sonhando só com oficinas, livros, contações e projetos, mas conversando com amigos que volta e meia se pegam passando o aperto dificultoso típico dos artistas, prossigo teimando na educação. E esta noite me deu um clique aliviante: se passei 18 anos instabilíssima entre o jornalismo e as assessorias, com todas obrigações de funcionário, mas sem direitos de um, é aceitável ficar estável na sala de aula pela primeira vez num longo e tenebroso inverno. Só acabei pegando me tornando a "Run Forest Run" sempre que ouço "vamos conversar". Às vezes nem é nada trash, mas pelos meus traumas, só quero começar tudo de novo, já que esse é meu vício profissional. Em meio às histórias me divirto com os pequenos e suas dúvidas. Poso meio ressabiada para foto, afinal quem sou eu pra essa badalação cômica? Às vezes enfio o pé na jaca e compro mais livros do que deveria. Descubro histórias afro iguaizinhas às da nossa tradição oral. A cultura popular bebeu ou foi parida da mesma fonte! E finalmente encontrei um coletivo para chamar de meu: temos decolado projetos que só eu e Deus não rolava. Dois livros que esperam há décadas para sair do computador ganharão o mundo. Ao menos as criações artísticas queremos mais é que vão pro abraço mesmo. Tenho viajado mais a descobrimento que a trabalho como em minhas temporadas de repórter e assessora. Após chegar ao estágio de buscar Tinder de ETs ou oficina para cura hetero, eu e minha "dupla", meu parça, o tal companheiro pros altos e baixos nos encontramos. Nos dispersamos às cegas um período significativo, mas agora estamos até realizando sonhos, nos escrevendo, ele me faz curtir ficar à toa em casa e eu o faço encarar mil programas "de quando em vez". Olhando à primeira vista somos diferentíssimos, mas depois de muita chateação e descoberta, conheço o que me parece relevante e nisso somos bem parecidos. Adotei uma gata, ponta firmíssima nessas jornadas de dois, três períodos trabalhando no laptop. Fiz as pazes com o irmão que adotei vida afora e já até nos revemos mais que no pré bate boca. Tenho consciência da limitação na quantidade de amigos, mas sou grata ao plus dos colegas "devezemquandários". Se há alguma providência divina, depois deu bater muito o fiofó na água, me encontrei numa série de espaços que batem com esse jeito idealista que já tentei mudar, mas acho que é defeito de fabricação. Essa é uma espécie de gratidão às avessas "energia criadora", mas se há como solicitar aperfeiçoamentos "universo gerador", preciso voltar a me exercitar, meditar mais, comer feito gente e cortar invasões bem intencionadas contra as quais já ensaiei diversas saídas. 2015 foi da colheita, do semear, ver brotar e cuidar contra chuvas e tempestades. É daqui pra arriba combinado Liga da Justiça? Com esse movimento "para o alto e avante", não posso chiar de ter entrado na faca pela nona vez. É sempre uma bênção para quem já teve déficit de sono aquela apagada estratégica da anestesia. Viver não é brincar de Pollyana? Ao menos tenho um porrilhão de histórias para contar.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Não é uma escolha, é quase um carma

Me identifico com uma tia que ficou trinta anos esperando pela aposentadoria para por a casa em ordem, mas quando essa merecida pausa chegou, ela continou na antiga contra lógica:
- Onde por isso aí que você está me perguntando? Jogue pelo meio da casa.
Ainda não relaxei tanto a ponto de me assumir caótica, mas ser bagunceira é uma saia justa na qual só se apertaram os que não tem ideia de como se encaixar no eixo como os outros mortais.
A gente sai de roupa do avesso e justifica "dizem que colocar sem planejar dá sorte".
Vive de roupa amassada e culpa o transporte: "naquela sardinha, quem se mantém na estica"? Mesmo que seja duas da tarde no domingo, saindo do metrô confraria linha verde.
Alguém te passa um e-mail importante, mas como você ainda está em "desmame do jornalismo", tem coleção de bloquinhos, quando poderia enviar o que o fulano precisa, como encontrar o bendito endereço eletrônico no momento em que pode passar a bendita mensagem?
Você anota na agenda, no celular e no agendão na mesa do escritório e ainda assim, às vezes não confere nenhum e confia no catzo da sua memória que tem dado pau há alguns aninhos.
Volta e meia cisma de usar roupas que podem estar na mãe, na amiga, no namorado, no irmão adotado... Só o Senhor saberia!
Por razões que só a astrologia explica, teima em ter uma bolsa e mochila: todas as ocasiões que precisar de um bilhete único, chave de casa, é preciso esvaziar tudo solicitando a proteção dos padroeiros de cabeças ocas.
Sempre há uma etiqueta dando bandeira que acabou de comprar aquela roupa e faz questão de sair com ela da loja e a velha na sacola, só podia pedir assistência e não sair por aí com o código da C&A "piscando em alto relevo".
O pé não ajuda, tudo machuca. Na era jurássica comprou uma meia que não fazia bolhas. Mas quando acha um pé o outro sumiu no mundo.
Quem vê pensa que a casa tem esse tamanho todo.
Aliás você pagaria um rim por um óculos com sinal sonoro, como os de encontrar carros no estacionamento.
Sempre "dá tchau" para a gata antes de sair e mesmo assim, outro dia a prendeu sem querer entre a janela e a rede.
Todos dizem que quando tiver filhos, os encontrará nos Achados e Perdidos.
Aliás, é uma campeã deles.
E por falar neles, o São Longuinho tem feito alcançar uma infinidade de graças.
Como a mochila esquecida com o "rim dentro" no Mc Donald´s da Vila Mariana.
Quando os frequentava.
Você é campeã olímpica de receber zap, e-mail, SMS e mensagem no Face começando com "você esqueceu aqui o/ a...".
Sua tia viciada em Renew e lipoaspiração acaba contigo "tem quase quarenta anos e não usa anti idade, nem faz banho de creme, arruma a unha ou fica com depilação em dia". Graças a ela descobriu que anti espinha também é anti idade. Volta e meia compra um para não passar por adolescente "com quase 40 anos", mas a menos que um monstro verde da Tasmânia emerja de sua pele, não lembra de usar. Já tentou anti olheira, mas ao descobrir que crianças branquinhas também tem, vive deixando o seu na prateleira.
Você também é PhD em usar calcinha da Bridget Jones quando sai com o homem da sua vida. A da vó, que não serve nem para o varal, quanto menos para passear com você por aí em dias possivelmente divertidos.
Pois bem, você só consegue se engraçar com homens generosos e que vejam nisso um charme displicente.
Ainda bem que dá aulas de artes e avalia "em processo", pois seria incapaz de receber e devolver uma prova, um execício que se pretende voltar à sala de aula, uma lição de casa. Tudo é proposto e criado em grupo no horário de aula. Se identifica profundamente com aluno com filho, mil bicos, vários turnos de trabalho e completamente sem tempo.
É preciso começar a tentar ver peças dos amigos no começo das temporadas, pois com os atrasos e confusões de endereço, só é possível conferir a última apresentação.
Aliás, em se tratando de rotinas escolares nunca foi capaz de dividir um caderno em várias matérias. Seus blocos de notas apenas anteontem passaram a ter marcas coloridas entre um curso livre e outra oficina.
Há vantagens? O jogo de cintura se torna imperativo: se não encontramos vermelho, vai verde, se não temos manjericão, vai orégano, se não chegamos à peça do primo, vai o cinema da esquina. Viramos os famosos "vamos? É pra já".
Suas patacoadas divertem familiares, vizinhos, amigos e colegas de trabalho. Como levar o CD de tango para a consulta médica no lugar da mídia com fotos da córnea.
Uma rotina de comunicação ajuda o dia a dia ordinário depois de quase 20 anos de redações e assessorias de imprensa: faz lista de pauta para consultas, ligações estratégicas com quem gosta, terapias, a fim de não dispersar demais. Funciona bem.
Dá sempre bandeira da desorganização? As pastinhas do computador pessoal e do e-mail no trabalho poderiam atestar o contrário. Afinal, chegou a ser vexatório ser tocada do expediente enquanto ainda tentava encontrar um documento ou imagem imprescindível.
Às vezes temos vislumbre de como poderia ter tudo em dia.
Como se deliciar numa aula adulta tendo pesquisado em casa e aprender em dobro.
De repente faz até sentido ter pagado os pecados como setorista especializada em TI por tanto tempo: era inviável sair para uma entrevista sem pesquisar previamente.
Nem que fosse no táxi. Aliás para isso que serve o trânsito paulistano.
Agora, cá entre nós: você já teve o insight de que toda essa BURROcracia nos impede estrategicamente de mudar o mundo para melhor e nossa missão pode ser dar perdido nelas?

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Entrando na faca

Hoje é dia de entrar na faca. Nada de planejar aula, fazer projeto, editar livros que sairão por leis de incentivo, estrategiar formação para professores infantis, caçar editais... Devia ter madrugado para tomar café a tempo de ficar oito horas em jejum, mas quando o celular tocou devo ter dito "faz me rir, despertador", desliguei e afundei no sono de novo. Não é digno levantar às cinco da madruga. Tenho trauma desse horário desde os plantões do finado jornalismo. Quando finalmente consegui me livrar dos lençois - caramba, parece que eles "tem cocaina"´! - já não poderia comer, pois estouraria o tempo pedido sem nada no estômago. Só que...O médico era novo, o hospital e até o convênio! Para despistar um ensaio de ansiedade fui... Propor contações de história pela Internet. A pessoa quer ser empreendedora até na licença médica! A amiga da comunidade que ajuda a arrumar a fuzarca da casa chegou! Louvado seja Buda, posso me esquecer no home office! Quebro a cabeça para lembrar que página vi no Face de madrugada para propor projeto... Faço algumas prospecções, mas começo a sentir fome e ensaio pegar leve para o estômago não me enlouquecer. Daqui a pouco aparece pai, mãe e tia para me levar à internação. Quem semi nova como eu chega para operar glaucoma congênito com a torcida do Flamengo como acompanhantes? Dou todos os perdidos possíveis na parte de mim que quer ficar nervosa: falamos do caminho, das aulas, dos livros, da família... Lá no hospital quero sugerir contar histórias para humanizar a saúde. Sinto falta do trabalho que fiz pela Viva e Deixe Viver no hospital Cruz Azul. Me apaixono pela foto ou desenho de uma São Paulo retrô que já não existe mais na recepção. A bateria do celular morre e corta minha hiperatividade. Quando chamam pra enfiar minhas coisas no armarinho e por aqueles avental, touca e meia impessoais da sala cirúrgica, bem essa é a hora D. Só subindo na maca me deixo ficar nervosa. Chegam os anestesistas e já aviso:
- Tenho veia bailairna, deve ser de família, pois o primo Ignácio Loyola Brandão também tem. Se puder, usem agulha de bebê - tem que ser toda polida pra não se aborrecerem de você, pobre mortal, dar palpite na área deles. Levam três picadas, elas dançam, só conseguem me furar certeiramente dentro do antebraço, que doi  mais que a mão ou atrás do cotovelo. Quando aparece o médico já piro: como ele pode vir tão animadinho assim pra me picotar? E se algo sai do planejado, como meu amigo oftalmo contou na residência que está fazendo? De onde raios ele arruma essa empolgação infantil? São escavações nada históricas, num olho de gente!
Ouço os anestesistas explicarem que farão a sedação tópica, só para ficar mais tranquila. Tudo entra em slow motion. Fico em estado de graça nesse estágio, parece barato, mas não de pinga, não consigo passar por isso à noite e tenho horror a ver ou ouvir a cirurgia, já que tenho trauma de lembrar de luz em cima de mim em mesa cirúrgica e gente de branco nas operadas beeeem baby. Capoto.
Volto com a corda toda, querendo fazer todas as perguntas do mundo, como se não tivesse deixado de ser jornalista. O médico me deixa falando sozinha e vai falar com a tia, a mais espertinha da família, acredita-se. As enfermeiras, sempre elas, humanas pra burro, trazem comida, proseiam. Gozado que há uma aviso para não usarmos adornos, mas acho que nossa necessidade de nos enfeitar é tão inata, que elas têm touquinhas coloridas, floradas, lúdicas. Reclamo deles se aborrescerem com perguntas, critico construtivamente a educação, até que alguém lembra que há três familiares ligeiramente ansiosos do lado de lá. A sensação do olho tapeado é como se despejassem areia antes de por gaze, mas já foi assim nas nas sete anteriores.
Volto pra casa implorando pela minha gata por perto, eles são tão terapêutcos e não pulam desgovernados em cima de nós, como os cachorros, mas a levam para minha tia, PhD em estragar felinos. Nos meus pais a ordem é repouso, ficar de barriga para o ar, mas negocio cachês e agenda deitada.  Penso que para que aquele medico novinho me corte bem, ele treinou nos sem opção do SUS e me compadeço. E essa veia fanfarrona, que os anestesistas pegavam e ela sambava! Os colegas mandam sair do celular, mas o médico doido pra cortar mais um já tinha falado que se ficasse online, só não enxergaria a contento, mas também não desestabilizaria nada.
Cuidar de um pepino congênito é se acostumar às rotinas mais assustadoras: ser picotadas de tempos em tempos, anestesista tentar falar contigo na hora do rooonc, amigos e familiares meio pé atrás com a melhora e você fazendo e acontecendo pra dar perdido no ensaio de nervoso. Contanto que não me lembre mais de ninguém falando do meu quadril na maca cirúrgica, de luzes grandes em cima de mim e homens assustadores de branco, colaboro. Ao contrário das grávidas que temem estourar a bolsa, tenho medozinho dessa bolha do olho também se partir qualquer dia desses, mas faço de conta que não é comigo. Fazem um buraco controlado no meu olho, explicou uma médica amiga da minha mãe. Mais ou menos né doutora? A pressão sempre foi contida para não subir muito, só que nos últimos tempos ela só despenca! O olho vira uma uva passa assim, tem que estabilizar na unha de novo... E depois essa senação de meia pria de Ipanema na córna. Os pontos, ah, os pontos. Talvez tirem mais uns, só que no laser a gente até fica mais "de boas". Nessas sempre me pergunto: como é que alguém entra na faca deliberadamten?

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

"Nem de humanas, nem de exatas, sou de faxinas"

Não sabia muito bem como era arrumar irmão "semi nova". Acostumei mal e porcamente a comemorar uns irmãos passageiros aqui e acolá, coisa de filha única meio inconformada, mas desses assim de puxar a orelha quando estamos viajando rumo ao precipício, de brigar pela gente (e bater boca nem é muito a praia do mano aê), sacudir para ver a parte boa, inventar "naturebices" juntos, ajudar com trampo que se troca aos 45 do segundo tempo, repetir comida, mimar gata, meditar, desbravar a zona lost, redescobrir o centro que para mim ainda era uma incógnita, roubar cama, pintar o azulejo do banheiro de tinta impermanente da minha temporada ruiva "no estado de espírito", avisar dos retiros imperdíveis, suavizar das chutadas de pau na barraca "dazamiga", dos alunos, "dos mino", se sacanear, rir de bobajada, indicar conteúdo relevante nesse mar infinito de informações que é a Internet... Sei não, a isso tudo estava completamente desacostumada. Daí a gente se vê nuns surtos de filhauniquice, justo eu, me orgulhava de ouvir que não parecia, de caçar informalmente (ou nem tanto) esses manos que a vida não dá e mesmo assim a gente descola... Quando desencanamos e eles caem no nosso colo, não reconhecemos a tal bênção que para pedir, "protocolamos a solicitação em três vias, reconhecemos firma e entramos na fila". É que esse amor de mano, ainda que inofensivo, atropela a gente dum jeito que mandamos anotar a placa do caminhão. Mas depois do estrago OM NAMA SHIVAYA que com estas bobajadas do cotidiano não há de se perder muita energia! Ele faz parte do meu top 3 signos dificultosos, mas geralmente é do que se corre que se cai em queda livre no colo. Já fizemos faxina, já torcemos pra Copa, já empatamos a paquera alheia, já multiplicamos os amigos, já dançamos bêbados, animamos pra ensinar, brochamos também, conferimos peça, tomamos chuva, voltamos à infância no cinema, "alugamos" parceiros antigos de faculdade, militamos... Ele manda pra casa quando a teimosa aqui está caindo em pé querendo prosear na Praça Roosevelt... Tem um porrilhão de coisas que ele já me ensinou, só não sei se listo em ordem alfabética ou cronológica... Rarará! Mas acho que a mais surpreendente foi amar virginianos pé no peito. Feliz aniversário quase literariamente mano!

sábado, 1 de agosto de 2015

Aceita moeda de fora?

Colegas de uma profissão ligeiramente ingrata passam na roleta de um microônibus na grande São Paulo e... Quero dizer, um deles passa. A outra conta moeda, caça trocado na bolsa, cansa a fila atrás dela, preocupa o amigo que já arrumou lugar do lado de lá, até que encontra uma solução no mínimo esdrúxula para o impasse do dinheiro perdido entre bolsa e carteira:
- O senhor podia aceitar estes vinte centavos de euro?
- De que?
- Euro!
- Que diabo é isso?
- Moeda europeia.
- Minha senhora, essa moeda só vem, não volta, aqui não é casa de câmbio!
- Vale três vezes a nossa, da última vez em que cotei. Era uma recordação de viagem, mas...
- Mas o que?
- O senhor leva um amuleto de viajão esperado inesquecível que trará imensa sorte em sua vida!
- E eu lá sou místico?
- Pode começar uma poupança para rodar o mundo...
- Sendo cobrador na periferia? Sei...
- Na Argentina aceitam real, peso e dólar.
- Deve ser por isso que não saem da crise. E isso lá pode?
- Ah, dizem que é ilegal, mas parece que esta norma, lei, sei lá... Também não pegou.
- Ah, as leis também não pegam com os hermanos? Sei...
- Esta moeda traz o frio de Paris.
- E o que mais passageira imaginativa?
- O metrô de sonhos de Londres.
- Conte-me sobre seus devaneios turísticos.
- Os chafariz de Madri.
- Está começando a melhorar a paisagem.
- Os museus de Barcelona.
- Devem ser caros.
- As construções históricas de Roma.
- Preferia que você me desse moeda brasileira mesmo e mostrasse as fotos, que já está de bom tom.
- Tenha um pouco mais de olhar empreendedor! Poderão atender passageiros de todo mundo ampliando aceitação monetária na catraca!
- Gringos quase não visitam o ABC e se visitam, os amigos e parentes andam de carro ou táxi. Nunca vi falarem outra língua nesses corredores.
- Talvez só esteja faltando esse passo de começar aceitar moeda de fora.
- Deus me livre, começarão a perguntar em inglês, espanhol e aí sim que terei que me fingir de dorminhoco, pois não saberei responder!
- Moça, a gente precisa passar - pedem passageiros acumulando atrás da negociante persistente.
O colega de trabalho cansa e volta à catraca:
- É isso que falta cobrador?
- Obrigado!
A catraca destrava e ela quer saber:
- Ué, como sabia que só faltava...
- É sua especialidade empacar nesses centavozinhos finais de passagem. Vem, vamos perder o ponto.
E assim se vai uma tentativa de por em circulação o amuleto de 20 cents de euro, "carreador" de tantas lembranças de mochilão... Quer dizer, de pochete, pois professor é mais modesto na saída ao exterior.