quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O diabo era a sombra

Se reconheceu na incapacidade patológica de ser feliz. Naquela ânsia clariciana de que não era nem liberdade o que queria, era muito maior e não tinha nem nome. De olhar o que caía no colo com olhos míopes, mirando sempre um horizonte, que, à lá Galeano, fazia continuar caminhando, mas... Nunca chegava. O amigo tinha razão. O diabo era a sombra. De quando caíam nas mãos um, dois trabalhos e a cabeça pirava antecipadamente com as contas lááá do mês que vem. Ou atraía um, dois, três atípicos dançando e se rendia ao que menos potencial tinha. O eterno boicote nas entrelinhas. O diabo interno à espreita. Quando acabava subitamente uma paixão, desejava em alto e bom som futuros vexatórios pro ex. O Sartre estava errado, o inferno somos nós, não os outros. Quando saíam com ela antes do imaginado numa parceria de sangue, suor e lágrimas e na saudade, queriam que sentissem sua falta, de um modo não muito nobre. Olha o diabo ali. A felicidade quentinha, feito bolo saindo do forno, com as possibilidades, os sonhos, a criação, o que não se toca. E a mania doente de querer concretude, segurança, realidade... Que não existe. Tudo é sonho - alguns da vigília, outros, oníricos, como ensinou o budismo ou... Sim Calderón de La Barca, a vida é sonho. E quanto mais a vida tiver jeitinho de mentirinha de verdade, melhor. Escreve uma ode às pequenezas felicidades sutis. Se propõe a policiar para que elas não passem mais batido. E diabo, ela está de olho em você!

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