quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Crônica de Natal

O menino entra no metrô, põe papeis pedindo ajuda em nossos colos e canta: que estão sem o que comer, o pai não mora com eles... E mais o ruído do trem não deixa ouvir. Fucei a carroca, achei umas moedas, quando ele voltou perguntei se queria o trocado ou o Cranberrie que estava na minha bolsa, quis saber se tinha fome. Quis tudo. Patética, falei pra deixar para lá o preço da zona cerealista no saco da frutinha, seca. Ele saiu da estação e eu quis mais era perguntar quem o ensinou a cantar. A ladainha lembrava capoeira e era mais original que a dos que fazem o mesmo noutros vagões periféricos.
Saindo da estação, converso com um menininho de 5 anos e seu "padrasto": seu nome é Good Luck, como o presidente da Nigéria, o que não importa, pois ficamos falando da massinha na escola, da pintura, que ele fez em todo o quarto, do pique que falta quando eles correm e começam a dançar break antes mesmo de aprender.
Importa sim: é filho de africano. E parece uma alcunha auspiciosa. A namorada surge e cada qual vai para um lado. Tudo na Companhia do Metropolitano dura um flash: o próximo trem, o novo colega, o reencontro...
Uma ex chefe distribuirá comida e bebida na rua das 14h às 22h, chama para participar, só que umas empreitadas culturais e gastronômicas já agitadas com antecedência me aguardam, que pena!
Pena não, o vídeo altoral de literatura infantil não foi possível sair, os celulares fizeram greve pré Natal, mas fui cozinhando e mantrando, cantando, lembrando de como os Hare Krishna fazem suas refeições e desejando que a comunhão culinária redima todas as diferenças, mal estar e picuinhas entre os que se revêm tão sazonalmente, se gostam, só que soltam faíscas com menor periodicidade.
Ensaio contos para as crianças no programa familiar de sempre e lembro muito do conto sobre o pai que vai para o outro lado do rio, do Saramago, a família estranha, tenta aproximar, a irmã do narrador vai até mostrar o neto depois que nasce, mas nada o traz de volta e ninguém entende esse apartamento do "capiau".
Me sinto um pouco como na história e a música El Otro Lado Del Rio, de Jorge Dexler: sentindo outras faltas, tendo outras crenças, sonhos mais rebuscados, dores quase intraduzíveis, infelizmente amigos antigos e famliares nos alijam do lado de lá da margem. Algumas saudades e outras faltas seguimos doendo e outras delícias já vividas ficamos gratas.
Já não importam presentes, comidas que não dou conta de consumir, as perguntas de sempre: a fase "tudo certo, nada resolvido" desfaz o mistério que nos acalentando, desistindo de mudar o imodificável ou de evitar se indispor com quem não tem essa pré disposição de pacificar os relacionamentos alivia o desgaste emocional de sempre de maneira sobrehumana.
Até dá a imprensão que será viável cruzar o rio de novo. Sondar a margem de lá. Ouvir outro idioma, mas não ter daltonia. Sonhar com o comando dos navios e não com a popa ou mastros perdidos/ avariados... Deve ser isso: no aniversário celebrado e rememorado mais de dois mil anos, a ideia é aceitar de dentro para fora e assim esfacelando os mais armados do caminho. Que a importância está no caminhar, não no onde.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Já pensou em concurso?

- Sim, mas sentei e esperei passar

- Ué, mas emitir um porrilhão de certidões, fazer projeto criativo empreendedor, levantar minha capivara e provar minha idoneidade em secretaria de educação ou cultura equivale à mesma coisa.
(acrescentar depois de comer uma rabanada:)
- Não, concurseiros ainda estão há zilhões de anos encostados nos pais, Nós só passmos para jantar quando a vertigem lembra.

- Você já pensou em fazer um trabalho mais significativo e encontrar a cura para sua gastrite?

- Sim, eu coloquei cabresto em meu cérebro de forma maternal: "já passou, foi só um pesadelo".

- Só que aí acordei e comecei a escrever um best seller.

- Sim, mas tenho medo de repartição.

- Aconteceu, mas o anti depressivo curou.

- Anualmente, nas ceias e confraternizações.

- Não sei, tem servidor bonitão por lá?

- Sobra tempo para ensaio, aula, trabalho voluntário e coreografia de dança brasileira?

- Prefiro ser a cigarra. Sabe o que estou ensaiando?

- Não, mas você podia pensar em contribuir com o meu crowfunding. Dizem que ganham bem.

- E você já pensou em não deixar os filhos com a avó?

- E dar um tiro de misericórdia nesse relacionamento moribundo, você avaliou?

- Sim, com a mesma periodicidade com que me entristeço com a recepção pouco calorosa dos parisienses... Deixa ver... Duas vezes em quase quarenta anos?

- Você já pensou em redirecionar o investimento a fundo perdido para parar a investida do tempo contra você em projeto educativo, cultural ou esportivo? Se não me engano, todos deduzem imposto.

- E você pensa em arcar com algum investimento meu ainda nesta encarnação?

- Tinha feito um propósito de ano novo para pensar, mas os editais, ensaios, aulas e namoros não me deram tempo, você acredita?

- Não acho de bom tom.

- Vovô se aborrescerá se te der a resposta que gostaria.

- Seria perigoso para eles.


- Tanto quanto penso na cultura adversa da Tasmânia.

- Já tem algum que ofereça assinatura de ponto e mecenato sem obrigatoriedade de frequência e não fiquei sabendo?

- É igual ao seriado global Aspones ou aquilo foi licença poético ficcional?

- Vocês já aceitam performers na repartição?

- Avaliei, mas o telemarketing é mais acolhedor com transexuais.

- Mãe! Pega de volta a educação que me deu fazendo favor?

- Quantos de vocês já fizeram residência artística internacional? Você acha mesmo que compensa?

- Pai! A manutenção da civilidade é mesmo necessária até o fim da ceia?

- Fiz, mas apanhei em sala de aula e achei mais digno passar o chapéu no metrô mesmo.

- Tira as crianças da sala para continuarmos o debate fazendo favor?

- A última informação que tive é que não trabalham com clowns lá, mudou a legislação?

- Fazer a unha, chapinha, estuprar o pé no salto e me violentar no vestido foi o máximo de flexibilidade familiar que consegui neste ano, quem sabe em 2015?

- Dilma descambaria de Brasília pra me puxar a orelha, seria vexatório para a categoria.

- E o que seria do humor de vocês se tivesse estabilidade e compartilhasse #partiuPatagônia no próximo fim de ano?

- Meus pais já infernizaram vocês com meus 20 dias fora, imagine se levantar verba para um ano sabático?

- Vocês trabalham fumando baseado? Ué, então qual a vantagem de não ser mandado embora?

- Nunca vi servidora com roupa multicor de figurino, logo não "orno" no ambiente. Né vó?

- Pq o pedido da vó para Deus era um trabalho perto de casa, que eu gostasse, pagasse bem, trabalhasse pouco, com chefe bom... Respeito a tradição católica meticulosa dela. Estou quase lá. Ela ficaria feliz não acha?

- Se você se propuser a desencostar do marido eu entro na promessa coletiva familiar e ano que vem realmente teremos milagres a compartilhar na ceia natalina.

- Precisamos ter o que discutir ano que vem.


- E o fetiche por travecos, também pensou em abrir o jogo? Esse ambiente de confraternização anual é bem propício. Não foi o tio que num fim de ano pediu para passar o peru e na sequência disse que era gay? Se bobear, com a bebedeira, nem ouvirão né?

- Me parece que meu carma vai melhorar mais se eu passar no programa de voluntários da África da ONU.

- Saiu a torta de abóbora! Também vai querer?





sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

"Miragens odontológicas"

No dentista precisamos de alguém que segure nossa mão, como no ginecologista e na depilação. Não são preciso carpideiras contratadas para chorar em enterros tradicionais do interior? Segurar na mão de alguém nesses consultórios assustadoramente brancos devia ser uma espécie de ritual. Em casos de fobia, o paciente devia ter direito a duas mãos. Não me perguntem onde enfiaríamos o assistente e o "escavocador de bocas", quero dizer, dentista. Desde a adolescência pergunto se eles têm pacientes com medo da cadeira da tortura chinesa. Sim, sempre, atendem às dúzias. Não me canso de propor que façam grafites detalhadíssimos no teto, os mais apavorados poderiam ter uma experiência estética e desViar o foco do "ziiiim da broca". Até mesmo quem "quase tolera" essas consultas, como eu, agradeceríamos. Quando ia nos que faziam perguntas de respostas analíticas e jamais conseguia conversar, tinha certeza que devia ser a profissão mais solitária de todas, mas depois que peguei estes concentradíssimos em "carpir polpa da
gente"... Que saudade de tentar teorizar qualquer análise complicadíssima com espelhinho, sugador e "rastelo" na boca. Desta vez sugeri que podiam usar toucas coloridas, como as que vi nas últimas vezes que fui para sala de cirurgia, dá uma descontraída antes de "entrar na faca". Soube que o branco evita proliferação de bactérias. Pode fazer sentido, uma amiga ouviu dum gineco há pouco que não devíamos usar calcinha coloridíssima, pois podem dar reações... Depois que picam "nosso rim" para sentirmos menos as "futucadas" deles, já ensaiamos "pagar de irmãos coragem" e engolimos qualquer ensaio de água salgada se precipitando na cara da gente, Aí aquele "quase mantra zuuuumm", mais algum efeito da anestesia, dão um quase sono, dá uma ilusãozinha de que pescamos... Mas constatando que permanecemos naquela brancura sem fim com a "trilha sonora de motorzinho tortura chinesa", a primeira má impressão que tenho é "morri... E o infermo é um restauro seguido de uma retirada de tártaro". Volta e meia tenho a má impressão de que não posso engolir o aguaceiro que a boca resolve fazer, percepção que o sugador não dará conta das "babas plus" que dá cria na boca, cismo que vou tossir e arruinar aquele trabalho artesanal da dentista... Era uma vez sono de cadeira odontológica. Às vezes o mal estar passa virando para a dentista, dá a ilusão que o aguaceiro vai para a bochecha e não causará nenhum estrago, mas daí também o ombro e pescoço vão pro brejo. Tentei cantar uns mantras, mas terminei sensibilíssima, chorando a cântaros, justificando do medo de ficar com buraco na boca depois do terrorismo que meu dente de leite não tem mais raiz. Saio pedindo "chazinho sossega leão" na maquininha da sala de espera. Tento "tourear o aguaceiro a troco de banana" o resto do dia todo, em vão. Ao menos a música de consultório tinha que ser um desbunde. Alfas e Antenas 1 estão censuradas! A ambientação de consultório odontológico tinha que ser inebriante. Jamais causar soluços o resto do dia todo. Não sei como não tem cadeira em que eles amarram pacientes. Bancando a Poliana, podia ser pior: na época da minha mãe era boticão e ele só "esvaziava a boca", bem "sangue nos zoio" mesmo. Acho que fiquei mal acostumada às da infância que tinham bichinhos na sala e dava bonequinhos na saída aos bem comportados. Campanha por um entretenimento dispersivo ao paciente odontológico!

domingo, 7 de dezembro de 2014

A existência não pode estar assim tão enganada

A internet parece não saber que não quer mais conversar comigo. Mas deve desconfiar que sinto sua falta. É sua foto que surge a cada mensagem. Seu nome escapa por entre procuras. Seu sobrenome cai no colo entre um post e outro. Aprendi que eu também não sabia amar. Sigo improvisando. Não é todo ano que ficamos fragilizados e um companheiro de outra vida vai lá e discute contra grosseria em serviço público. E a nosso favor. Pronto, a "filhauniquice" aqui já interpretou enviesadamente: ganhei irmão mais velho sem que cantassem a bola preparando: "o gato vai subir no telhado"... Não. Você foi lá e já ocupou a parte que lhe cabia num coraçãozinho ressabiado, que até hoje mais late que oferece lambidas gratuitas. Retribuí como consegui àquela altura do campeonato: mimei gastronomicamente. A memória me engana. agora com a justificativa de ter ficado assumidamente "retrô". Teu scanner professoral detectou minha analfabetice emocional. Vimos filme zen. Rezamos. Mantramos. E a gata meditava entre nós. Que golpe baixo essa saudade dose dupla pior que whiskie a seco. Sem gelo. Nesse calor tropical de Meu Deus. Mas ok, me apaixonei por nosso clima aos 45 do segundo tempo, em terras gélido temperadas. Época boa para faxinar sua casa e lembrar o quanto amo limpeza com água. Deve ter a ver com a identificação com Oxum, feminina, das águas e sensibilidade. Descobri que sua versão livremente etílica dançava. Fazia rir. Dizia barbaridades. Divertia "azamiga". Tirava da manga no dia seguinte uma brincadeira para estancar meu choro pós ressaca. O inferno do excesso do meu choro, talvez já te cutucando a gastrite. Para aliviar a mão, massageio. É lá essa maneira de "por a mão na massa" numa tentativa de tatuar em ti "gosto, mas não tenho ideia como verbalizar sem chorar com essa chita me lembrando o diabo da casa do meu avô". Sinto retardatariamente pelos exageros meio astrológicos. É verdade, o mestre budista ensina a olhar o mapa, se espantar dele nos desnudar e atirá-lo ao fogo, pois posso me reinventar. A reforma íntima dos meus deslizes não ocorre em tempo hábil de não te ferir. Pode ser que os anos e anos de espiritismo não foram lá de grande serventia, Devo estar na pré infância espiritual. Mas em noites como essa, hiper sensíveis, desentendendo o que lateja e querer colo, lembro da tua mão segurando a minha e ensinando a ferro e fogo: "a existência não pode estar assim tão errada". Pode não mano. Que maneira tortuosa de se ensinar, mas está impresso aqui em cada célula, essa forma comedida de se gostar. Uma estranheza para essa veia passional exaltada familiar. Mas o oposto põe a gente noutro lugar de troca e crescimento. Conto história e lembro do seu olharzinho puxado se arrepiando numas vírgulas, travessões e dois pontos. Não era melhor, nem pior que a plateia atual. Essa só sua maneira introspectiva de troca. Para a qual esse drama de atriz sob holofote causa overdose. É um pouco melancólico não ter dividido o quanto dilatou minha forma de olhar e me por em teu lugar rindo e chorando com cena, take, esquete, sempre alternativos. Mas o ganho no falar e me colocar no mundo segue por vidas. Você não tem ideia, mas pintou com tinta corrida teus interlúdios silenciosos em mim. A ponto de querer pedir silêncio em ônibus ou madrugadas afora. A contemplação é um modo de ver o mundo em tons pasteis que combina com os cliques zen que vivencio "de quando em vez". Foi seu orgulho de sócio educador que engatilhou em mim uma paixão sangria desatada por criança, didática, lúdico e aprendizado conjunto. Teve até retorno inesperado, mas não é viável compartilharmos essas conquistas. Reinventei o olhar político há anos brochado com uma visão crítica que experienciei contigo, mas perdi em alguma esquina de militância desencantada. Não deve haver mais ninguém com quem estar próximo em quieta completude seja uma experiência mística de conexão fraternal como é contigo. Outro que leia meus pensamentos em pequenos desejos cotidianos ideológicos. Sua percepção do indigesto escancarado no meu não dito. A maneira como relativizava essas indignações passionais femininas. Mas você estava bem acostumado à prática desse gostar contraditório entre irmãos. E eu, não pude reaproveitar a experiência com amigos imaginários para esses desafios de expansão do emocional com irmãos que a vida joga no colo a toque de caixa. A literatura vira então essa maneira meio autista de sublimar o vácuo que suas ironias, lições, companheirismo e risadas escarificaram nalgum ponto inacessível de mim. Era paixão não brother. Ela não abre espaço de alegria com a felicidade alheia. Só de angústia. Tinha completude demais no estar perto para envolver sentimento adolescente. Mas no que é amorosamente relevante, minha habilidade verbal é nenhuma e chega em doses homeopáticas. Foi delusão, mas como era convincente!

domingo, 23 de novembro de 2014

Reacomodando prateleiras e ideias

Este "domingo ordeiro" colocou as roupas de cima e de baixo, de cama, banho, sapatos e acessórios em lugares meticulosamente pré estabelecidos, quase como uma virginiana faria. Sacolas e mais sacolas foram separadas para doação, bazar, reforma, lixo e devolução. Acessórios, objetos de cena e figurino foram ganhando seus devidos espaços para acesso futuro rápido e criativo. Lençois, fronhas e toalhas despachadas para a máquina de lavar, só não "tomaram banho" devido à confusão feita com sabão em pó: ao invés da última ida ao mercado abastecer a lavanderia com o usado na máquina de lavar roupa, veio por engano o da de lavar louça - aposentada forçosamente há anos.
Outra leva de produtos do banheiro foi para o descarte e separado para ver se a faxineira do condomínio se anima a reciclá-los.
No escritório xérox e livros esperando revisão e reestudo há anos foram para reciclagem. Os livros foram redivididos. Gavetas limpas e rearanjadas. Agendas descongestionadas. Material de papelaria voltou ao lugar certo. O que andou parado foi posto para que outros possam trabalhar melhor o material. Louça limpa. Cabelos e pele empastelados com banho de creme e argila por horas. Dizem que trocando a cor meio que mudamos a vida. Voltando à original também, será? Sacolas tem indicação de destino grampeadas. Livros emprestados começam a voltar aos seus donos.
Entre manhã e tarde suando a camisa pondo a casa (interna e externa) em ordem, não só os cômodos se mostram mais leves: a mente se apazigua na medida em que o que se precisa e o que não é procurado sempre ganha espaço pré-definido.
Entre uma faxina e uma redefinição de espaços atendo telefonema meio angustiado. Talvez por ter posto meu ninho em ordem, ajudo na medida de possível o lado de lá a se reacomodar mais confortavelmente. Outros telefonemas que usualmente dão choque terminam em paz. E uma chuvinha de fim de tarde abençoa esta semana que começa com ideias, projetos e sonhos em ordem de chegada. Só o abastecimento interno pecou por excesso e gula.
"E se uma sangria desatada é estancada
Outras podem esperar e até mudar de curso
Distanciar do amor que chega manso
e abrir frestas e curvas para que ele assente
faça pouso e veja as estações mudarem de cheiro
Procurar as raízes já longe e aceitá-las
Trabalhar a terra de bom grado
testar novos aconchegos
Mudar do modo randômico precavida
para disposta e receptiva
Semear novos frutos já aguardados
Encontrar pertencimento inesperado
pulsar gratidão e olhar para além do casulo
metamorfose por um fio"


domingo, 12 de outubro de 2014

Amor "Felícia"

Te amo pra cima, pra baixo
à direita e à esquerda
Amo teus medos
tuas cortinas e teus enfeites
Amo teu idealismo
tua fé crítica
e teu jeito brejeiro
Amo tuas pequenas dúvidas
tua generosidade
Amo que me dê sopetões
e carinhe quando me fragilizo
Amo tuas vírgulas, teus livros
teu olhar puxado
Amo tua companhia
como quem encontrou
terra firme
depois de navegar à deriva
e perder a bússola
Amo teu cuidado fraternal
com meus movimentos desastrados
Amo quando suaviza
o que lateja em mim
Amo que perceba meus detalhes
Amo que alivie meu calor
Amo dividir saídas culturais
com tua inteligência
Amo que me faça reconciliar
com teu signo
Amo que se interesse
pelas minhas dores
Amo que pergunte
pelo meu estado de espírito
Amo tua ironia
irmã do meu sarcasmo
Amo que me faça respirar
entre um machucado e outro
da avalanche do dia a dia
Amo tuas janelas
com paisagens interioranas
Amo que me force
relativizar dores familiares
Amo tua curiosidade quase infantil
Amo que diga não entender
e me force dar menos voltas
Amo esse sonho duo de pé no mundo
que sonho a dois
já é construção de realidade
Amo que minha história
tenha te arrepiado
Amo tuas vírgulas, tuas indignações
tua boa vontade, teus interlúdios
nossas interconexões
Amo teu companheirismo
e nossos espaços
Tuas maneiras de me fazer rir
Seu jeito de desacelerar
Amo tua metodologia pouco ortodoxa
de me fazer pegar leve comigo
Amo quando me deixa
digerindo seus chacoalhões
Amo que me inspire e me estimule
Amo que me deixe orbitar sua vida
que cuide das minhas dorese
Amo seu jeito vintage,
seus cabelos brancos
Amo ensinar e aprender contigo
Amo por a mão na massa juntos
Amo encaixar meu idealismo
à sua experiência
Amo que me estimule
mas me alerte
Amo que me apoie
mas puxe a orelha
Amo que me force
recalibrar o olhar
Amo que pulverize de otimismo
a bronca da amiga
Amo que emparelhemos
tanto em comum
E de aprender esse amor
meio lúdico, meio gratuito
meio sem fatura de cobrança
Não sabia nomeá-lo
Ah, a necessidade de rotular
até o que a vida dá de presente
E nesse encanto
meio estranhamento
De amoreco fraterno
que a vida encaixa
nas nossas frestas
Enviesei a história
Te cansei de ser sagitariana,
cênica e crítica além da conta
Esse poema
é só pra soprar
uns versos
alumbrados
Pra te dizer
feliz novos 365 dias
Que a gente
ouça o silêncio
em companhia
em muitos deles

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Homofobia politica e nossa miopia emocional

O discurso inflamado do candidato folclórico às eleições é típico de quem não consegue amar. Para quem consegue, pouco importa se o amor é lilás, amarelo, negro ou arco íris. E quem não é capaz disso é digno de compaixão. Vai partir da vida sem o melhor dela. Gay é tão legal que nós mulheres hereros seríamos muitíssimo gratas se vocês mocinhos tivessem...vá lá: 1/3 das capacidades estética, sentimental, analítica, qualitativa, cultural, aventureira, natureba, divertida e espiritual deles. Como não têm, nós vamos lá e como Naum de Souza, bailamos na curva. Perdemos o pé. Sofremos de miopia emocional. Enfiamos o pé na jaca e perdemos o amigo. Abrimos o coração com a professora mais próxima e descobrimos que... A torcida feminina do Flamengo já fez isso. Serve pra ensaiar um auto perdão, mas não ameniza a perda do irmão. Mais essa ainda. Como se não bastasse ser retardatário, platônico... Incestuoso. Nessa criaçãozinha judaico cristã de meia pataca, um prato cheio pra mais terapia. Depois de tanta nebulosidade emocional, ajuda a dilatar a gratidão. Pelo show surpresa. Por reavivar a empolgação futebolística, pelos estímulos espirituais, pela paixonite felina mútua, pelas esbornias gastronômicas em dupla, pelos eternos debates políticos, por escancarar minhas ignorâncias mal disfarçadas, pelos sonhos aventureiros, pelos fermentos profissionais e amorosos, pela generosidade, pelo cuidar, pelas criticas construtivas, por ajudar a desencanar, por segurar minha mão em noite de choro, por represar o exagero das minhas dores, pelas doações sem fim, pelas tardes, manhãs e noites professorais levando pelo braço, pela ironia, pelas alfinetadas, pelas reclamações, pelas seguradas, pelo partilhamento dos grilos, pela forçosa quebra de preconceitos não sabidos, pela bênção da confirmação de que é possível se por no lugar do outro, pelas acordadas divertidas, pelo aguentar por quanto foi possível, por me ensinar, por colocar fogo na vontade de ensinar, por ler pra mim, por estar ali em noites angustiantes, por me chacoalhar, por me. Se o hetero terceira idade reaça não é capaz dessa entrega, acho que rola ai uma inveja braba e a ciumeira que ouvimos no budismo: o bode com a felicidade do outro com qualquer coisa que não eu. Pena que eu ainda estava no jardim de infância emocional. Onde agora estou eu e Deus. E pra uma atéia, até converso demais com Ele.

sábado, 13 de setembro de 2014

Época felina

Quando era criança, minhas tias vizinhas já eram gatólogas: tinham vários, adotados, se não me engano abandonados. Dormia e visitava muito as duas na época, a avó ainda era viva, mas eles eram bem "nós gatos já nascemos pobres, porém já nascemos livres". Lembro de dormir na sala e acordar com rasantes dos felinos em cima da gente. De subirem em tudo. E serem bem blasê conosco. Mas eram afinal, a laia de bichos domésticos que tinham personalidade. E eu não podia falar muito, que também não era lá nenhuma facilidade na convivência quando criança.
Convivi pouco com cachorro, lembro dos que meu avô teve, mas que tinham ciúme de mim, tentaram me morder e ainda bem, fui protegida pela bota ortopédica. Não era de todo mal usar aquilo. Lembro do pequinês do vô, que parece ter entrado em extinção.
Minha prima também teve gata, que pulava na perna da gente quando tingíamos os pelos das pernas e pulávamos pois a oxigenada ardia. Mas com estes dois convivia pouco, moravam no Paraná.
De lá pra cá tive um cachorro, adorável, mas que também tem personalidade: não gosta de colo, quer ficar perto, faz festa com a comida, o passeio, comemora as chegadas das visitas, há dez anos batiza a casa toda, nunca foi muito de brincar e foi sequestrado pela minha mãe. Pensei em entrar em litígio pelo bicho com ela, mas também quero por Brandão no nome, divorciar de vez, meter a "várzea trabalhista" no pau,ou seja, não tem verba pra tanto processo assim rs
Recentemente uma amiga falou maravilhas da gatinha dela, antes de voltar pra Europa. Fiquei toda curiosa. Minha professora de canto tem uns adoráveis e o outro aluno dela, também meu amigo cria outros incríveis. Mas foi um amigo budista que me deixou doida pra ter uma fêmea felina em casa. É como a amiga "jornalêra" fala: eles são sempre uma surpresa. Com o Bidu as comemorações e reações são sempre as mesmas. A Sofia, gatinha que me reencantou com as felinas não: brincou com meus brincos, aneis, corrente, cacho, saia, deitou no ombro, veio ficar de barriga em cima da minha quando ainda estava operada, ou seja, toda semana era uma novidade! E mia que mia, tagarela como eu, ronrona até dizer chega! Aí ameaço ser casa temporária de gato pras protetoras, minha mãe diz que trará o Bidu de volta em casa, não traz e permaneço sem gato.Desaforo! Só sei que acho uma delicinha acordar tentando dormir e eles empatando os movimentos na cama. Na minha mãe, o Bidu subir na cama é uma contravenção grave, no meu amigo da gata idem. Em casa é uma várzea rs. Sabe compensação de quem tem peso na consciência de passar tempo demais fora? Enfim, acho que preciso mostrar este post pra amiga protetora da professora de canto. E rom rom rom pros gatuchos de vocês. Que peludo é tudo de bom! E já nasce configurado: vai direto pra caixinha de areia na hora que devolve pra natureza rs E nada de interagir com o que outro bicho colocou para fora. Cachorro quando a gente bobeia... Se bem que o meu, santo como só ele, deixa mexer na comida quando vai engolir e secar depois do banho. A Sofia deixou umas marcas aqui quando tentei ajudar numa limpa rs Esse "textículo" é só pra dizer que quem gosta, curte os dois. Que essa de gostar de um e do outro não, é coisa de bichólogo meio sociopata. Todos são uma delícia. Desconfio de quem não gosta deles. Ou de criança. Ou gosta de ser filho único...  

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Espontaneamente imaginativos

Inspirada na reclamação de um amigo sobre suas colegas corujando demais as crias, estou pior que mãe. Os estudantes espirram e eu lá babona: "owm"... Mas não é "tchutchuco" pedir idéias de bibliotecas diferentes e eles me trazerem mesmo sem valer nota, ponto positivo ou presença? Fiz varais das propostas deles na biblioteca em que trabalho e ficou uma graça: tem Kombiteca, Ecoteca, Interplanetarioteca (numa nave espacial), carteiroteca (que levaria cartas e livros), biblioteca flutuante (nessa eu queria trabalhar), gatos que entregam livros (Ligatos), cachorros bibliotecários (Bibliocão), Jatoteca (num jatinho), cinemateca, BiblioTV (parecida com a campanha de colega radialista "desligue a TV e vá ler um livro), Cai Passa (sempre que alguém passa cai um livro em suas mãos), Bibliofila (perto das esperas dos brinquedos de parques de diversão), Biblioprédio (um prédio na Vila Mariana tem), Bibliolanche (na lanchonete), Bibliorápido (tem carro perto... Será que é no ponto de táxi?), Biblioviagem (em aviões, quem sabe alivia o pânico de voo de tantos que trabalham em trânsito), Caminhoteca (meu primo caminhoneiro toparia trabalhar nela), Denteca (em formato de canino, pra distrair medo nos dentistas), Biblioestação (talvez nos irritássemos menos quando as CPTM da vida interditassem parte das linhas), Bibliotáxi, Biblioparque, Bibliorante (no restaurante), Biblioshopping (com lojas, por exemplo, especializadas em livros de aventura), Mercadoteca, Helilivro (nos helicópteros), Livro Doce ("quando João e Maria se perdessem encontrariam uma doce livraria"), Estatuoteca (será que ficaria num museu?), Biblioestádio, Lousateca (vamos combinar que é um uso muito melhor pros quadros verdes?), Bibliocarro, Bibliopiscina e Lemoteca (não, não tem formato de uma limonada suíca).
Sei que não dá pra comparar, mas no Estado valia nota e o retorno era de meia dúzia entre os 400 estudantes que lecionava.
O "folclore do magistério" me fez esperar aluno dizendo que "pagava meu salário", mas eles são uma graça. Não dá pra comparar a alegria de saber boas notícias dos ex alunos na educação (ainda que voluntária) de ouvir elogio a um texto (na semi profissional comunicação). O jornalismo, como diz um colega me mudou. Mas a educação muda o mundo.
P.S.: Em tempo: reencontrei um colega que dava (literalmente) aula comigo no cursinho comunitário de vestibular do Educafro no Heliópolis. O pessoal que trabalhava lá foi contar à mãe dele, que ainda tem
comércio na comunidade, que temos ex aluno em Stanford! Direto da maior favela de São Paulo!

domingo, 27 de julho de 2014

Insone

Noite dilatada
barulhos amplificados
cansaço fanfarrão
me deixa afundar
em delírio onírico
uns instantes de morte voluntária
mas o respirar intermitente
me frita nos lençóis
dá a fome inviável
das madrugadas insones
criação encroada
das linhas não expressas
molha olhos e travesseiro
ah, a cabeça
das ideias mirabola um vespeiro
alquimia wicca
assenta esse coração pandeiro

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Capineiros odontológicos

Eu sou cara de pau, mas dentista é "falta de educação". Eles "capinam roça" nos nossos dentes, pedem para bochechar um fluor que não disfarça o gosto de ferro quando cuspimos sangue na piazinha deles e têm a "cara larga" de avaliar:
- Não foi nada, vai!
- Doutor, saiu sangue da minha boca, como assim?
Ultimamente, só falto perguntar orientação partidária, time e religião antes de marcar consulta. As secretárias não entendem nada:
- Isso é realmente importante?
- Claro! Ele colocará três ferramentas na minha boca e vai disparar aquele falatório carente de sempre deles. Se for malufista, não conseguirei argumentar e terei uma síncope na cadeira.
Lembro de quando trabalhei na ONG Turma do Bem e o presidente fazia um mea culpa de que era uma faculdade elitista e para atender os poucos que pudessem pagar. Seria muito pouco provável encontrar algum de jaleco branco a favor do Bolsa Família. Faço concessões:
- Marco se não falar em temas polêmicos.
Mas também quando eles não abrem a boca dá mais nervoso ainda! É como ginecologista e depiladora antipáticos: começamos a prestar atenção no que estão fazendo e aí fica ainda pior do que o atendimento já é.
Sempre que fico cara a cara com o teto braaaanco dos consultórios deles sugiro (quando posso cuspir):
- Podiam fazer uns grafites no teto, a gente prestava atenção noutras coisas que não esse ziiimmm aflitivo da maquininha.
Trabalhei com uma dentista mexicana que dizia ser uma profissão que já se focava demais num detalhe e quando especializavam, ficavam ainda mais concentrados num pedacinho deste tamanhinho do ser humano. Brinquei com meu dentista sobre isso:
- A gente conta de um colega que cruzou a América de moto e vocês querem saber quantas cilindradas ela tinha.
Passo no terceiro em pouco tempo, para levantar orçamentos igual as empresas fazem com gastos altos inevitáveis.
- Então, tem que fazer uma coroa e...
- Dá licença, vou vender meu rim e já volto para fechar o tratamento.
- Não exagere vai!
- Vocês fazem carnê de tratamento dentário igual das Casas Bahia?
- Não sei quanto fica, vão te ligar. - ai dentista pião. Não sei o que é pior, tomar o susto deitada ou ser pega de surpresa depois na calada de uma distração qualquer, para depois sabermos que tem que hipotecar a casa e fechar os buracos da boca.
- Pô se tivesse uns solteiros para fazer escambo por favores sexuais...
Meu pai quer socar a revista da sala de espera em mim e tenho que avisar que é brincadeira.
- Do outro lado não moça, é um pouco menos.
Ele faz uma longa e didática explicação sobre a força que incide nos molares, a reação do dente, as quebraduras, como alimento mole tira os rachados de lugar. Lembro de uma professora ótima de física do ensino médio.
- Acho que já que chama coroa, devíamos fazer uma cerimônia, um ritual: adeus saldo bancário! O que acha doutor?
Ele se diverte. Devia negociar risadas por descontos.
Minha chefe até arrumou um mais barato, mas tem que pegar um jegue, um cipó e uma jangada para chegar lá.
Tenho ATM, ou seja, forço o maxilar dormindo. É difícil abrir a boca na cadeira deles: ela já é meio travada. Com os bonitões, ela se abre meio caindo o queixo, facilita.
Precisava descobrir o esquema de venda de óvulo da colega duma vizinha, daí dá para arrumar a boca, mas é meio debaixo dos panos, nada oficial. Catzo.
Não à toa a maioria dos brazucas tem boca zoada e quando brinco que se o pretê tiver emprego e dente já está de bom tamanho, meu primo diz que limo meio Brasil com estes pré requisitos.
Durmo com a placa sambando na boca e torcendo para esta noite a dita cuja não amanhecer longe da boca e eu com maxilar travado amanhã. Santa Apolônia, padroeira dos doutores do ziiimm, valei-me!

quarta-feira, 2 de julho de 2014

ET na Copa

Os jogos começam e eu pareço vir de Plutão. Não, não vi o passe do meia do Cuzuquistão. Ah é, o goleiro da Malásia era uma graça? Não faço ideia qual foi o placar entre o Nepal e o Quirquistão. Queria mesmo era fazer parte do protesto online Vai ter Cópula. Mas como diz a tia da minha prima "recebemos currículos, fizemos dinâmicas de grupos e... não tinham o perfil". Daí no primeiro jogo fui militar na casa da professora de canto:
- Croácia! Croácia!
Mas lá para as tantas fui arrebatada... Pelas pernas dos jogadores. Que Marcelo é aquele cambada? Ah, ele fez gol contra? Hum...
Nunca pintei a rua, coloquei bandeirinha, colori muro. Na melhor das hipóteses tive figurinhas dos jogadores da Suécia, que eram uma graaaaça, há muitos anos atrás. Mas nesta temporada, é como se trocasse de planeta me mantendo na Terra mesmo. Um dos poucos assuntos que não tenho um mísero comentário a fazer, junto com as "editorias" carros antigos e motos. Fico lá ouvindo e enfiando o pé na jaca em algum vinho ou cerveja escura, para acordar "corta pulsos" no dia seguinte.
No último jogo também, estava com boleiros da zona leste e fiz uma social nos bares do Itaquerão, já que meu bolso não comportava ingressos na Arena e na educação não rolam "jabás" generosos como no jornalismo. Estranhei a comemoração europeia da Holanda: umas palmazinhas e pronto. Num dos gols na partida do Brasil também fui abduzida e comemorei. Não lembro o nível de álcool que foi necessário.
Cadernos de esporte sempre foram os que pulava, colocava na gaiola dos pássaros do meu pai ou usava de "banheiro" pro meu filho canino, o Bidu. Sempre "torci" fazendo pipoca da cozinha: basta acompanhar o ritmo da locução que quando fica mais exaltada, é batata: posso ir para a sala e rever o lance do gol um "porrilhão" de vezes, ouvir as análises - todo mundo é comentarista nato de "futibas", uma pena esse monopólio dos Galvão Bueno de sempre.
Trata-se de um talento para torcer não alimentado. Sou corinthiana não praticante: na barriga da minha mãe acompanhei ela pular quando o Timão levou um título e acabou com um "jejum" que se não me engano já durava 25 anos. Pois bem, quando ela parou de pular, eu comecei e a dona Lu passou mal. Ao nascer, meu pai comprou uma blusinha do Corínthians antes de saber meu sexo. Mas nunca me levou em estádio, oras, como podia me tornar "Gaviões" roxa? Só ano passado que colegas de trampo me levaram para ver Ponte Preta com uns argentinos no Pacaembu e gamei: é um esporte que faz sentido no estádio. Muito embora seja mais batuqueira que torcedora e só não me rendi ao ziriguidum dos hermanos por medo de sair alguma briga e estar longe dos meus acompanhantes.
Chutando pau na barraca recentemente, no último jogo me rendi ao atraso de sono e capotei. Sonhei com olas, ouvindo a vizinhança torcer enlouquecida. No próximo também estou curiosa pra conferir o movimento na Vila Madalena, que está caindo nas graças da "gringaiada", mas...com quem jogaremos mesmo?
Me sinto na pele da eterna incompreendida, quando ouço: "mas nem na Copa"?, ao confessar que não consegui cair de amores pelo esporte mais passional do País, parece quando recuso carne por ser vegetariana e tenho que ouvir: "nem peixe"?

domingo, 29 de junho de 2014

Coxinização de uma metida a alternativa

Ver os militantes mais xiitas cutucando os caretas via Internet com as imagens de coxinhas cheias de plaquinha reivindicando o supérfluo rendia risadas e uma certeza meio petulante de não fazer parte daquele universo: imagine, politizada de carteirinha, estudei com a filha do Lula, tive pai sindicalista, morei a vida toda ao lado do Heliópolis, não estou aí nessa “fornada gordurosa” gravitando em torno do próprio umbigo. E ainda tinha feito jornalismo para mudar o mundo: pausa para gargalhadas.
Recentemente passando uma tarde com amigos de histórico escolar em colégios públicos, um que me considera desertora por ter migrado da escola estadual para a particular, fico com o rabinho entre as pernas quando brincam:
- Você podia ter sido uma baita coxinha nascendo em São Caetano, mas caiu na casa dum sindicalista, olha que carma bom!
Há quase uma semana venho refletindo nessa bipolarização política da direita e esquerda extremistas. Os menos exaltados também acreditam aqueles que se veem politizadíssimos mas enxergam uma revolução nestes países em que a queda do antigo poder acarretou uma perseguição aos dialetos regionais tradicionais uma espécie de “ursinhos carinhosos vermelhos”.
Fui admitindo minhas falhas nos últimos tempos: antigamente qualquer começo de papo político significada para mim uma subida ao palanque que tenho na garganta e uma prosa de varar madrugadas. Quando o PT deu uma flexibilizada, como não agüentava mais ouvir os colegas apontar o dedão no rosto e acusar: “e agora esquerda, vai defender o que”? E fui usando a técnica de uma tia, mudando de assunto até brochar com essas conversas. Daí retomo contato com quem não parou a militância, seja virtual ou pessoalmente. Admito: sou meio coxinha ursinhos carinhosos.
Uma vez recebi em casa uma parceira de trabalho da maior favela de São Paulo, por proteção mesmo e depois soube que quando ela dizia onde estava morando os vizinhos do Heliópolis consideravam que ela “tinha virado boy”. É dentro deste bairro, num condomínio de 48 prédios cheio de árvores, parque para criança e terceira idade, sou meio privilegiada. Ah, uma coxinha vegetariana meio fantástico mundo de Bob, vá!
Durante muito tempo fui viciada nesses cafés com canela, chantili, tanta coisa que meu pai acusava:
- Isso aí já é uma torta!
Mudando da comunicação pra educação vi que era uma esfregada desnecessária de dinheiro na parece: minha amiga que limpa aqui em casa traz uma misturinha idêntica aos melhores capuccinos da cidade. Semi coxinha gourmet,digamos... A paixão pelos naturebas preço único ou por prato também não colabora. Coxinha aspirante a vegana.
Domar cabelo poim oim oim: não vem dizer que quem tem cabelo liso sabe o que é “bad hair Day”, isso é coisa de quem dorme com o dito cujo lindamente enrolado e acorda meio Medusa, esticados, chapados ou tobogãs de nascença nem sabem do que se trata. Até assentamos com um hidratante e óleo de ponta simples, mas o ativador de cachos precisa ser contrabando de profissional, produto de salão, para nos sentirmos fazendo propaganda de produtos para cacheados. Coxinha peruete.
Adoro o forró e samba aqui da comunidade ao lado, mas fico sem graça de atravessar meia dúzia de ruas e ir lá dançar com eles, não sei, ia com o ex mano e dá uma rara timidez de chegar assim na cara larga. Coxinha me engana que sou tímida.
Amo roupinhas meio alternativas, estilo novos estilistas da feirinha do Center 3 de domingo na Paulista, praça Benedito Calixto e por aí vai. Nada muito acessível. A sorte é ganhar muito disso das tia e prima generosas, de bom gosto e consumistas. Coxinha estilosa.
Ah, mas tem uma militância no Movimento das Mulheres do Heliópolis, uma circulação pelas peças do Sesc, Centro Cultural e Sesi, filmes da sessão popular do Frei Caneca, inexplicável conexão ancestral com centros de umbanda e candomblé, sangria desatada por trilha, cachoeira em quebrada escondidinha na natureza, tara por brechós... Empate técnico!
Sei não, estou mais para bolinho de queijo heim? Combina até com essas espinhas retardatárias de pele oleosa...

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Biblioterapia

A gente se sente meio fora desse mundo e corre para as prateleiras, fica lá acolhida, conhecendo outros escritores e dando uma de "Lucas Silva e Silva", como diz minha colega de trabalho. No caso de dúvida, leio. Em caso de desentendimento não esperado, também. Eles sempre me entenderam e me carregaram no colo, os livros. Ali, nem incomoda muito esta disforia de não pertencer ao mundo, ao trabalho, aos amores ou à família. Até a alergia ao pó deles se releva. Os antigos arquivamentos, iguaizinhos à minha época de rata de biblioteca, em que, como o primo Ignácio de Loyola Brandão, só não lemos as enciclopédias, ele em Araraquara, eu em São João Clímaco e Vila Mariana. Precisando rir, Luis Fernando Veríssimo. Chorar, o pai dele. Voltar à infância Ligia Bojunga. Me surpreender, Miriam Leitão para crianças. Reiventar, Manoel de Barros. Nem os arquivamentos novos causam estranhamento. Deixa a literatura carregar no colo, que desde a infância ela sempre foi irmã, namorado, irmão, bicho de estimação e o que mais precisasse.
Descobri qual a razão dos meus pais e madrinha reclamarem que quando me entretinha numa obra (e mais adulta, com revistas), não tinha Cristo que entrasse naquele universo ou me resgatasse dele. Atendendo outro nerd litérário como eu:
- Você vai devolver ou emprestar esses?
Tu tu tu...
- Quer levar o gibi também?
Silêncio constrangedor do lado de lá do balcão.
- Vai pra aula ou sua mãe vem te pegar?
Vácuo.
O mundo das letras é sempre muito mais acolhedor que o do lado de cá. É possível entrar na fantasia do autor. Ou criar a nossa, como quando desenhava e inventava minhas histórias. Meu amigo capitalizava melhor e até as revendia. Eu sentava em cima das antigas e mirabolava novas. Estes dias quis encontrar uma feita sob medida pro meu primo, antigo baterista, mas desconfio que meus pais não guardaram tudo entre as duas ou três mudanças dos últimos anos.
O ex brinca que sou igual um galozinho de desenho animado, que tinha grandes óculos e também vivia atrás dos livros. Não lembro desse personagem, pode não ser da minha época, sabe-se lá. Mas pagava para não largar os livros. E por isso vivia em greve de fome, não queria deixar de ler para comer. Sempre achei que os médicos estavam certos, que se tivesse comida em casa, não precisavam insistir, uma hora comeríamos, mais cedo ou mais tarde procuraríamos alguma coisa. Que ilusão! Minha amiga, cuja mãe deve ter acreditado nestes médicos otimistas, deve ter desistido de insistir, mas recentemente num exame para se exercitar, esta amiga estava subnutrida. Aliás a maioria dos grevistas de fome da infância da geração de 30 e pouco virou vegetariano adulto, mas isso é assunto para outro post.
O bacana é que este ambiente está me reativando o sonho de ser escritora. Sei que já publiquei algumas páginas em coletâneas aqui e ali. Mas como filha única típica queria "um livro para chamar de meu". E vamos, que o barco não para. Nem em feriado!

domingo, 8 de junho de 2014

"Planeta Terra Chamando..."

A literatura me carregou para uma lembrança boa: ir à casa da madrinha de caderno, lápis, canetinha... Brincar com os primos, meus manos adotados até hoje, mas a tia lembrar que a visita terminava registrada no meu caderno, com o título de "minha festa na madrinha". Ligia Bojunga me catapultou bonito pros tempos de Vila Industrial e Guarulhos. Talvez por este ano não ter conseguido ligar pra tia no dia das mães, como costumo fazer com as irmãs do meu pai, que muitas vezes fizeram as vezes de na minha infância.
Pouco depois foi o Marcelo Vassalo, com sua fantatiosa lembrança de brincadeira na praia com o pai que me remeteu aos túneis que cavei com estes mesmos primos, na reforma ou construção da casa da madrinha, quando brincávamos com aqueles bonequinhos "secos por uma guerra sem motivo" e por fim eles terminavam me enterrando num buracão de areia. Era uma luta inglória uma mulher contra três irmãos, que só foram brigar adultos, quando o fundamentalismo religioso respingou entre os três mosqueteiros da minha infância.
Devolvendo Mirna Pinsky às prateleiras lembrei que na infância depois de devorar algum livro dela mandei uma carta, fui respondida e ando revisitando eletronicamente este hábito de querer entrar em contato com o autor, por isso também escrevi ao André Neves depois de ler Tom, um dos indicados como melhores livros de 2013 pela revista Crescer. Fui atraída pelo apelido do meu melhor amigo, captei nas entrelinhas um significado pro personagem ser tão encimesmado, depois os desenhos me levaram pra outro entendimento.
Me refestelando nas prateleiras de biblioteca infanto juvenil, dou razão à ex chefe: os designers e desenhistas é que são felizes! Nostalgia de não ter parado de fazer histórias em quadrinhos na infância, talvez. Esse "paraisinho" não tem o cheiro daquelas bibliotecas em que esqueci o tempo e preenchi muitos cartões de empréstimo na infância. Nem os livros infantis de quando sonhava em ser desenhista tinham desenhos tão ricos. Que milagre! Alguma coisa não era melhor na minha época...
Levantei linhas mais lúdicas da Miriam Leitão (que quem diria, além de analisar o petróleo do barril Brent, também defende os pássaros), Graciliano Ramos (nem só de Memórias do Cárcere vive um grande escritor) e Marina Colasanti (associei Breve História de um Pequeno Amor ao Veludinho que li na infância, mas louvado seja Deus, encontrei um final menos chororô).
Zeca era Diferente nos alivia da síndrome de ser a ovelha vermelha da família, até dá razão à amiga que consolava: "num mundo doente, não é mérito nenhum se encaixar nele". E Anjo do Lago tranquilizou a alma aflita carente de uma fé que estão olhando e cuidando de nós, nossos sonhos e missões, já que só enxergamos umas casas do tabuleiro, mas a providência divina vê o jogo inteiro.
Uma Chapeuzinho Vermelho fez rir alto - não muito bem vindo em ambiente de concentração e estudos - com a malandragem brazuca da clássica personagem das histórias ouvidas ao rodapé da cama, antes de pegar no sono. E aqueles desenhinhos com ar de fugidos da pré infância, que alento visual - e esperança à vista das minhas historinhas querendo sair da gaveta.
A negociação e saída criativa encontrada no impasse dos personagens de A Ponte dá espaço à metáfora de aplicação na vida: sempre podemos bolar uma resolução impensada que auxilie todos sem prejudicar as necessidades dos envolvidos.
Finalmente mergulhar na história que não nos contaram em 1822 foi reviver a encenação de Enfim, o Paraíso e rir lembrando da minissérie O Quinto dos Infernos. Começamos em várzea, como podemos fugir ao estigma de praticamente ter comprado a independência, de pouco conhecer a participação da heroína nordestina Quitéria e Leopoldina na independência e da "guerra" por nos separarmos de Portugal ter sido passada como um acontecimento pacífico?
Vô Renério e suas memórias encadernadas, primo Ignácio de Loyola Brandão e demais ratos das letrinhas familiares têm razão: as prateleiras, páginas impressas e desenhos evocativos da imaginação são as melhores companhias! O povo tem que me convocar pra bater cartão, pois como na pré infância, teimava em não deixar de ler ou escrever nem pra comer ou dormir...

domingo, 18 de maio de 2014

Uma jornalista na Sala de Aula

Como era de se esperar, as primeiras vezes foram trágicas. Tudo que consegui foi levantar alguns nomes, ver o que tinham trabalhado, do que sentiam falta, ensaiar um ou outro jogo cênico que envolvesse o desenvolvimento da liguagem e ouvir:
- Prô, dá aula do seu jeito.
No fechamento de notas e faltas, com matéria prima dos professores que me antecederam, saí com dores no pescoço e ombro e sentindo falta de fechar matéria - já que para isso tinha que lidar com mais palavras e menos números. Avisei a coordenadora:
- Não sei fazer contas!
- Nada que uma calculadora não resolva.
Ensaiei uma dança de roda com "tem areia no mar...areia"! Umas improvisações com teatro do oprimido contra a violência simulando brigas em trabalho ou escola depois duma matéria sobre alunas se pegando no pau dentro do ensino público no Fantástico. Discuti à exaustão até chegarmos em soluções pacíficas, pois quando questionava como resolver congelando as cenas que propunham, o que a maioria sugeria era:
- A gente grita: porrada!
Também pesquisei funk político do MC Da Leste para tentar criar uma proximidade com eles. Descobri que usávamos parte da letra deste músico nas passeatas ano passado, antes de virarem a reedição da "marcha com Deus pela família e propriedade". Vi orgulhosa os gracinhas da oitava interpretarem o gigante acordando, os policiais batendo nos manifestantes, a Dilma se transmutar em vários aspirantes a atores e eles cantarem o hino nacional. Até tirei foto e quis postar, mas do que me lembro de TV precisava de autorização de imagem, com menor é mais complicado e...passou.
No começo pedia para afastarem as cadeiras pois faríamos teatro, mas depois, quando terminava a chamada e levantava o olhar, já tinham deixado o centro da sala vago. Não escapa uma informaçãozinha deles, pois no primeiro ou segundo dia, quando contei que também fiz matéria e pedi que não pendurassem nas janelas, justificavam:
- Prô está pegando fogo na favela, você não é jornalista?
Consegui contar a lenda indígena de surgimento da noite e fazê-los reinterpretá-la com minha locução e estudantes das sextas fazendo as vezes dos índios, da Boiúna Cobra Grande, dos macaquinhos, do barco, do caroço de tucumã... Não entendia muito quando entrava nestas turmas e eles comemoravam, pois era dificil fazê-los se envolverem nas propostas. Mas ouvia aqui e ali que era a melhor professora, que era outro nível, que adoravam minha aula, pediam abraço, beijo, pra eu levá-los para outra sala e não sei o que mais - volta e meia queria brincar:
- Ah, vocês devem dizer isso para todas!
Fui tentando fazer um trabalho budista para não inflacionar muito o ego e devo sinceros agradecimentos à sangha (grupo de amigos budistas) do CEBB (onde medito atrás do Shopping Paulista), mas especialmente ao meu irmão que abuso de sua experiência, comida, gata, paciência e companhia semanalmente. Tinha muitas vezes a impressão de só fazer figuração lá na frente deles, mas ele garantia:
- Você passará feito fogo pela alma deles. Pelo bem e pelo mal.
Mas acho que os adolescentes acabaram fazendo o mesmo comigo. No ensino médio logo de cara pesquei a pista, acertei a mão e levei vídeos do Banksey, Gêmeos e Basquiat, pois trabalharam grafite, embora tenham me mostrado mandalas (no alto da minha ignorância em arte de rua, nunca vi estas duas modalidades de artes visuais conectadas).
Levei lá um projeto para contarmos as histórias dos estudantes, da escola e do bairro, pois achava que não nos entendíamos de não conhecer o que cada um vivia e também para trabalhar corpo, voz explorando a "contação" (já que viviam criticando o teatro, alegando vergonha ou que não sabiam, nem queriam), apropriação do espaço público e aquele movimento que não só a história oficial é relevante, mas também a sabedoria e experiência popular (pegando um pouco carona do que conheci sobre o Museu da Pessoa). Diziam não saber fazer. A sagitariana porra louca aqui foi de figurino, peruca, foto, livro, microfone, bolinhas sonoras, apito, contou histórias, deixou os meninos deitarem e rolarem de madeixas loiras de mentira, perdeu e reaveu o livro de Câmara Cascudo mas... Depois de uma semana, devo ter lido uma dúzia de histórias, se muito. Envolvido um ou dois professores na proposta. E depois de uma bola de papel no rosto, uma alergia monstro de pó de giz e um tapa no bumbum (que tinha vergonha de partilhar, parecia que a culpa era meio minha, muito embora sempre tenha ido entre maloqueira e informal, nem resvalando os visuais "Diana caçadora", não que isso fosse justificar a invasão, mas decotes e justos passaram longe nas minhas idas e vindas, vale o registro). Comecei a pensar:
- Paulo Freire não devia ter salas com 40 alunos quando escreveu seus livros.
Me ouvindo dizer uma ou outra barbaridade em sala de professor e engasgando com outras escutadas, me pareceu que não conseguiria dar todos limites que demandavam, que era "boazinha" demais para a malandragem deles, que até inventava aulas criativas, mas seria quase uma missão impossível avaliá-los dentro dessa visão de que não existe "arte errada", que meu emocional sucumbia à impossibilidade de "tourear" os preconceitos e dores que não conseguia aplacar deles, que ficava inacreditavelmente sem energia administrando as picuinhas entre alunos, cortinas, portas, cadeiras, mesas, celulares, malas, que alguma coisa que ainda não sei definir em mim não era "parruda" o suficiente para nadar contra a maré, que.. a miragem que surgiu foi um barco em que me meti a mudar de rumo e botar fé. Que meu coaching ficará feliz de me ver pensando a partir da prosperidade, apesar do meu histórico contrário.
E como tuuuudo neste samsara de meu Deus é mesmo impermanente, a alegria durou um tantinho assim ó: fui falar com os colegas de trabalho (que em sua maioria eram bacanas, mas como diz meu irmão, 90% do tempo ficamos com os alunos e entre 400, bem 60 se interessavam pelos meus vídeos e pedidos de jogos, vivências, improvisações...). Não queria ver os estudantes na saideira, só que acabei cruzando. Com aquela cara de tacho. A culpa é sempre uma perseguidora das mulheres. Temos escapatória? Não me senti apta às condições que não colaboravam... Acabo chegando à conclusão de que aqueles que mais precisam sempre ficam na necessidade, pois nos rendemos às condições atraentes. Que minha prima está certa, o capitalismo se apropria de tudo, inclusive de um sonho meio idealizado à altura da síndrome de Peter Pan da sagitariana que ficou meio sem graça com o que ouviu de amigos da área nos últimos dias. O estofo é frágil, mas como diz meu pai, a culpa não é exatamente minha, não fui bem eu que o produzi lá "nos meus primórdios", venho tentado melhorá-lo com umas meditações, trabalhos artísticos, voluntários e apoios aqui e ali, mas... cismei que já que aconselhavam "tocar o terror" e me via incapaz disso, sinto a educação pública como uma saara que já devia receber professor tarimbado, macaco velho, talvez de malandragem à altura ou acima dos estudantes. Tinha uma aflição absurda quando me virava para escrever a lição e os vídeos na lousa e quando voltava enxergava lixos voando e fazia "uma torcida organizada" para que não pegasse em ninguém, já que raramente percebia quem começava as barbaridades, só encontrava o acidente a caminho ou já finalizado. Palpito que só devia entrar quem tem visão de lince, sabe? Após um mês e meio tinha começado a ser chatinha também, confiscar figurinhas, farinha que queriam atirar numa aniversariante e desmanchar roda paralela à aula que reeditava aquela velha brincadeira "pera, maçã ou salada mista"? E pelo rosto roxo da menininha não foi difícil saber quem tinha sido beijada enquanto explicava diferenças entre teatro de rua, de empresa e no palco italiano. Ninguém pode dizer que os subestimei: levei vídeo da Marina Abramovic, Balei na Curva (que alegria dar as primeiras informações da ditadura), Pina Bausch... Quem se aproximou e conferiu tem aí uma "pochete cultural" para se entrosar com os mais interessantes que cruzar futuramente. Mas confesso que pegava leve demais nas perguntas depois de exibir e explicar o que selecionava. Tinha medo de não saber lidar com dificuldades mais ou menos alheias à minha matéria (de compreensão e redação, por exemplo). Apesar dos desabafos mútuos recorrentes, ouvia lá no fundo um apito: não me via naquilo a médio e longo prazo. Só que tive dor no coração de abandonar o barco. Pelos abraços, elogios, beijos, perguntas, risadas, ideias não divididas de excurção com estudantes na Cantareira e grupo de apoio às dúvidas típicas da idade, pelos incentivos, ansiados cafés (meu Deus, como se bebe pouco na sala dos professores: eu o procurava feito cafeinômaca ex repórter que espirrava bebia, ia ao banheiro bebia e emendava a água no café), pelos colírios que ensinavam física, pelas gracinhas da Lu, Nívea (essa pérola até os fazia silenciarem), Val e Viviane, pelo sonhozinho praticamente impossível do projeto da sala de leitura, pelas ajudas estudantis com os cabos na sala de vídeo, pelos que ensinei e arrancavam o material da minha mão para levar até a outra sala, pelos interessadinhos Natalia, Gabriel, Aldry, Arthur, Gabriela, Keren, Jenny, Geovana, Mayumi, Beatriz... Pena que não lembrarei de todos (isso pq diz a lenda que tenho boa memória...). Que falta fará o grupo Improviso, que começou a fazer teatro do absurdo sem nem conhecer Esperando Godot! Meu irmão bronqueou que quis ficar "no ponto" em 45 dias. Nem é bem isso. Sentia um pouco que quase nada interessava a maioria: vídeo, performance da professora, livro chamativo, a despeito das minhas dores nas costas levando, levantando e revisando material. Mas que bênção aquela liberdade de fazer diferente em sala com eles. E que ignorância da fonte que ouvi em pauta educacional condenando diretor não ver aula ou o governo só reconhecer por tempo de serviço e não resultado conquistado. Diretoria tem pai caçando aluno para atender, patrimônio sendo depredado, material faltando, professor doente, bomba estourando para administrar, falta de eventual, papelada para por em ordem, reuniões e capacitações para planejar, cumprir, realizar. Vai quando, de madrugada conferir aula do professor? E por tempo de serviço o professor não tem que ser reconhecido, tem que ser canonizado. A médio e longo prazo me pareceu  rolo compressor demais: se sucumbe à falta de recursos, de disposição, de reconhecimento, de envolvimento, de interesse... Tenho uma aflição encroada das caricaturas do funcionalismo público que ouvimos mais que na realidade encontramos. É que uma aqui e outra ali chocam. A princípio não abalam. Mas andorinha sonhando, planejando, experimentando, pesquisando e propondo sozinha faz verão? A animada da professora da biblioteca disse que depois de ler o que fiz e escrevo, achou que não ficaria. Tem horas que me soa um carimbo: "arregou iniciante". Há coisas que só entenderei distanciada mesmo. Agora é tudo turvo, nebuloso, expectativa e...gosto de saudade e sonho abortado. Desculpa educação pública. Foi mal.

domingo, 4 de maio de 2014

Faz um mês

Cheguei com minha pedagogia de botequim
eles foram dando pistas do que queriam
em empurrões, desenhos
gritros, abraços,
caneta na cabeça e elogios
Faz um mês
Numa tarde se envolvem na proposta
noutra enfiam a cabeça entre os braços
Numa noite perguntam sobre meu conteúdo
noutra escapam da sala
Faz um mês
Um divide paixões cênicas
outro desanima já na entrada
outra mostra as pinturas
outro questiona minha sobrevivência
outra dá pistas para ganhar atenção
outro estimula a desistir
outro se interessa pelo universo avesso ao dele
outra põe o preconceito na mesa
outra se mostra igualmente humana
outra é divertidamente irônica
Faz um mês
Tenho síndrome de abstinência de café
na ida ao banheiro, na procura de giz
na mexida no armário, na sentada para respirar
Faz um mês
Tem uns retornos mais rápidos
e descaradamente mais sinceros
Outras frustrações e pensamentos estreitos
sóbrios, entre um bolo e o lanche
Faz um mês
as informações se compartilham
que certeza não há quem tenha
grades e fechos lembram
teoria da arquitetura prisional
similar às dos hospícios
Faz um mês
minha letra continua caótica
indiferente aos cuidados ou atenção
o pó levanta uma falta de ar
velha de guerra
reaprendo a respirar
rezar mantra
praticar o nobre silêncio
Faz um mês
as ideias voam
fanfarronas
os espaços de troca
carecem de  brechas
os recursos faltam ali
mas podem ser rearanjados acolá
Faz um mês
perco instinto maternal
entre os que dirigem carteiras
escalam cortinas
fazem social no corredor
arremessam lixos
saltam cadeiras
brincam de MMA infantil
Faz um mês
volto a me exercitar
feito Cazuza
correnteza acima

sexta-feira, 18 de abril de 2014

De amor indefinível

Havia uma relação ali alérgica a rótulos. De tardes dos dois rindo em caminhadas compridas para fazer inveja a mineiro que considera “qualquer coisa menos que 450 quilômetro pertim”. Almoços meio batizados de choro com chateação de amiga e consolo do parceiro. Tardes “gogando” e mapeando como corrigir escolha enganada de bairro, agora que o concurso a chamava para trabalhar do outro lado da cidade. Dum apoio amplo, geral e irrestrito à mudança de área dela. De noites e tardes cozinhando a quatro mãos, usando a colocação do avental como desculpa para se abraçar e do preparo coletivo diluir qualquer assinatura individual nos pratos. Dela gastando instinto maternal com a “gachorra” dele, a única que atendia chamado pelo nome, se esparramava na barriga de ambos, ficava horas no colo de barriga para cima recebendo cafuné e respondia conversa miando sem cansar numa conversa que “mistura idiomas”. De filmes e peças em dupla para rir, chorar, se divertir, emocionar ou ficar debatendo nos cafés sem pressa depois. Dele brecar o desastre e a distração dela a cada buraco, cocô na calçada ou farol que se abria, feito irmão mais velho. De contarem ou lerem histórias um para o outro como quando eram menores e pediam “conta mais”! Ou quando ouviam “era uma vez” e ficavam de olhos vidrados, ainda que “semi novos” para manter o encanto das fábulas por muito tempo. De irem juntos ao hospital e ele brigar com a má vontade da médica na hora de trocar receita, bem quando ela estava frágil demais para bater boca com a doutora que a deixava falando sozinha. De meditarem com a “gachorra” entre eles, tão desesperada por comida quanto a gastrite dela. Dele segurar a mão da companheira de fim de semana quando a amiga chorava na hora de ia dormir, com algum mal estar emocional vindo à toa. Deles proseando e navegando de cuecas samba canção pela casa dele. De filme dividido no sofá, com ele roncando da metade em diante. Dela oferecendo chá depois do estômago dele reclamar por ter sucumbido ao pecado da gula. Da dorzinha dela receber oferta de remédio. De chá natureba dividido. Dele a empurrar para a sombra percebendo quando o sol a castigava nas longas caminhadas. De limparem a pia um do outro. De compartilhar espera em rodoviária cheia na véspera de feriado. Dela aproveitar para além de diminuir a água ralo abaixo na faxina periódica dele, ainda refrescar o calor que a persegue. Dela caçar shampoo específico para o cabelo dele. Dele tirar dúvidas de barba e sobrancelha com ela. Dele achar escova dental pra ajudar a cabeça oca da amiga que “faz camping” na sua casa e esquece de carregar o kit básico. Ele palpita para ela não emendar uma história amorosa na outra e não sobrecarregar a alma de emoções de difícil processamento. Ela tenta convencer que se diverte até quando os ensaios de paixão desandam, mas às vezes não disfarça quando uma lágrima escapa furtiva. A dupla recolhendo rastro de turista descuidado em trilha no meio do mato, consegue rir até em conversa política, por mais vexatória que ela ande hoje em dia. Ela banca a cupido com ele, que prefere deixar que a existência faça sua parte. Ele formiguinha de tão fã de doce, que às vezes ela limpa a boca dele do açúcar que ficou para trás. Ela maluca por “bobajitos” salgados. Com interlúdios lights entre uma “enfiada de pé na jaca” e outra. Uma ansiosa, um tranquilo. Um caseiro, uma irriquieta. Uma tagarela, um tímido. Uma estupidamente carinhosa, um introspectivo. E nos derrapões das escancaradas diferenças de temperamento vão modelando um sonho “quase realidade” de mochilão em conjunto. A ponto de amigos em comum, consciente ou inconsciente, terem ciúme ou inveja branca de tanta intimidade brotando feito água nascente, dessas ansiadas que nem conseguem se conter. Qualquer rótulo descolaria rapidinho, de tanto lugar incomum que compõe esse amor de irmãos reencontrados depois de encarnações se procurando. Perguntando aqui e ali o que são, como se definem, numa ciumeira e curiosidade fora de lugar que brota constrangedoramente sem esperar. Numa madrugada de prosa comprida ao fone com a prima, Pilar define o que é de Acir: “desnamorada”. E julga o amigo sua alma gêmea neutra. Parceria bonita, fofa e triste ao mesmo tempo. Como todo amor que fecunda umas saudades “de quando em vez”.

terça-feira, 1 de abril de 2014

Ode passional à maresia

Quando meus olhos acordam no mar esta quarta, é como se Itararé dissesse: como você aguenta tanto tempo longe? Quem disse que aguento? - devolve minha paixão meio mineira, que quando revê esse mundão azul, quer perguntar para quem estiver por perto: "me ajuda a ver"? Uma vez ouvi uma amiga da faculdade dizer que tinha acordado a fim de ir para a praia e desceu a serra. Guardei anos essa sangria desatada de falar com o mar a sós, tive que driblar boa vontade familiar para chegar a São Vicente só eu e Buda, como quem avisa: "agora maresia, somos eu e você". O bate e volta teve episódios dignos de sessão da tarde escrachada: condicionador vazando na bolsa, o bom e velho açaí dando enjoo às dez e tanto da noite, a fechadura me
trancando na kit net a manhã toda incomunicável... Lá para a hora do almoço fiz como uma colega de faculdade e atravessei a avenida meio de pijama: de biquini e cueca samba canção. Na praia, tudo se releva. Meu parceiro "macumbeiro" perguntou ontem que oferenda fiz à Iemanja e no auge da minha falta de verba, surrupiei uma flor e fui soltando suas pétalas com minhas necessidades. A princípio, as que voltavam me faziam pensar que estavam sendo rejeitadas Mas uma das mais importantes foi mar adentro. E a poluição pode ter atrapalhado o resto de ir para seu rumo certo. Isso é que pode ser chamado de "precisão" de mar: embarquei com

folha, tranqueirinhas não identificadas e tudo o mais! Perdõa pele! Ao sinal de um caiçara recuei: aquela não parecia uma região favorável ao mergulho, próximo do teleférico da praia. Que dor no coração dele não estar funcionando! Fui me afastando, lá perto da Ilha Porchat me animei e tchibum! Tem coisas que só a maresia cura. Até o cheiro dela já aliviou coisas ontem. Estava quase irresistível o ímpeto de me meter num quiosque e pedir peixe. Por isso fugi para uma padaria e almocei um omelete. Paulistano demais... Mas o açaí na tigela caiu tão pesado, enjoando na véspera que foi quase uma precaução. Não demandei somente: agradeci também. Privilégio o marzão assim, quase só meu, sem concorrência, como gosto da igreja, eu e Deus, sem cantoria, a torcida do Flamengo concorrendo pelo ouvido do Senhor. Os moradores devem ter me estranhado falando com Iemanjá, soltando pétalas aqui e ali. Mas a marca de sol no colo voltou quase como um aviso enigmático: ouvimos, ó criança crescida! Quando somos muito branquinhos, sempre descobrimos algum lugar que não foi protegido o suficiente. Tentei contatar amigos aqui e ali, mas era uma noite e tarde só azul e eu. O mar manda lembranças. Ele é como Deus: eles sem nós, coninuam tudo que são... Já nós sem os dois... Adoece a alma.

quarta-feira, 19 de março de 2014

O que a chuva me diz

Os trovões te anunciam e ao contrário dos meus vizinhos corro ao teu encontro. Me ressinto da avó me abençoando antes desse banho natural. Ao contrário daquela época, em pouco tempo embaixo de ti já tenho frio. Antigamente pulava nas poças, agora passo por elas sem tanto estardalhaço. Vejo os funcionários do conjunto correndo pras garagens, como faço quando o sol está esturricando. Quando cai é que evito as coberturas.
A tranquilidade com que enche cada espaçozinho nas calçadas e estacionamentos me reaviva um conselho velho de guerra do meu primo: "se fez o que tinha a seu alcance, deixa o barco fazer a curva do rio: se tiver que voltar retornará". E então deixo paixões meio esquizoides descerem com a correnteza. Tem um rio perto de casa, mas morto de indústria e esgoto. Na falta do mínimo essencial de natureza, é em tua queda que me refugio.
Devia cair sempre que estivesse em polvorosa com a ansiedade de minhas procuras profissionais. É no friozinho que sinto debaixo de ti que deixo escorrer essa sangria desatada, que como guia volta e meia me faz por os pés pelas mãos. Espero até que a lavagem seja também interna.
Peço encarecidamente que ponha as ideias em ordem: criação 1, 2, 3... Tanto a escrever, produzir, propor... E um gestação criativa se interpõe à outra, sem que no fim das contas consiga parir nenhuma.
Os vizinhos fecham as janelas. Gosto tanto de ti que quando vem, me esqueço que se não fizer o mesmo, lava meu chão, os lembretes, a luminária e a roupa que esperava que secasse.
O cheiro que sobe com tua passagem mistura asfalto e umidade. Acho que vou ao teu encontro esperando relembrar a mistura de aromas da terra vermelha, tua queda e café do norte do Paraná e por consequência, matar as saudades do meu avô. Só a memória provoca esse golpe de lembrança seletiva e sigo tentando apaziguar a falta que faz viajar para onde está o resto da família.
Os bichos onde moro se escondem bem quando desce. Não encontro um gatinho, pomba ou cachorro. Sinto falta de andar com o Bidu e lamento o sequestro dele para a casa dos meus pais. Meu bichinho mesmo se chacoalha todo quando voltamos destes passeios molhados. Não deve curtir tanto quanto eu.
Passo no parquinho que desconfio ser ISO 9001: os adultos não tem ideia como brincar nessas geringonças pós modernas. Devia ter feito outro percurso, podia curtir a balança antiguinha lá de baixo. Mas sabe Deus porque vim para estas bandas. Roteiro previamente alterado pro próximo banho gelado na rua.
O relógio me mostra que preciso voltar para o banho anterior ao compromisso de logo menos. Como quando pausamos para as atividades artísticas, os problemas continuam lá na retomada posterior deles, mas um respiro, por mais curto que seja, dá uma distanciada das dores e sob nova visão, elas voltam ao seu tamanho devido. Minha antiga vizinha tinha razão: banhos gelados são um anti depressivo e tanto, Naturais ou não. Valeu São Pedro!

quinta-feira, 6 de março de 2014

Ensaio da travessia

Ela despenca da cama em frente ao laptop depois de um fim de feriado meio ursa hibernando. Está quase fazendo uni-duni-tê de como tirar o atraso dos projetos, mas o escritório começa a rodar. Tenta ir ao banheiro, mas as pernas dobram quando deviam ficar retas. Como na vez em que desmaiou dois anos atrás, os fones se recusam a completar a ligação. Se arrasta sentada à porta para destrancá-la. Editar os fones das amigas para chamadas a cobrar exige uma concentração sobre humana, pois o teclado do celular também roda. Pede que uma avise sua mãe. Nem entende bem o que diz à outra. Parece que avisa que vai empacotar. Se agarra ao travesseiro. Deitar parece mais assustador, então se senta. Acha que está indo embora e lembra da mãe que cisma que só ela e a tia acham a morte "a maior viagem". Lembra lá de uma palestra budista ou outra e do enrosco que é se agarrar na vida que se esvai. Respira. Ok, vamos embora. Aos 45 do segundo tempo se apaga a uma amizade. Bem, podia ser pior: quando a amiga planejou se matar, pensava na saudade que sentiria dos lençois, travesseiro... Arruma a  mesa da cozinha de forma a dizer "foi isso que tomei" e ainda põe as receitas pra não parecer que se auto medicou. Isso exige um esforço absurdo, pois sua casa dobra de tamanho. É só uma manhã, mas parece durar dias. Estranha que não passa o tal filminho da sua vida na hora H, mas respira, acha que alguém que já foi vem buscar. Cisma que não fala coisa com coisa, mas os pais entendem na hora do socorro que o apartamento está virando de ponta cabeça. Procura a "irmã vizinha", que já estava no trabalho e a tia dela vem tentar ajudar. Dá a senha e a pasta em que começou mil versos, crônicas e livros, tem a cisma de que está de partida mesmo. Fala que não vai ao médico de camisola. Pede pra se desculpar pra quem ligou. Caramba, nem na hora de ir embora perde esse catzo dessa mania de se desculpar. Vai aos pais, o médico recomenda ao telefone dormir, é reação de três tratamentos distintos "dando congestionamento" interno. Horas depois, com a sensação de terra firme, planeja que não trancará mais a casa, terá sempre crédito no diacho do celular e desbloqueará ligação pro celular no fone fixo. Mas gozado, na hora H não lembrou do livro que não publicou, da viagem que não fez, só do filho que não teve. Eita mente fanfarrona!

terça-feira, 4 de março de 2014

Os filhos do Carnaval

Como já fomos concebidos sob confete e serpentina, temos ligeiro bode de bloco de rua. Saímos num e "já tá bom demais da conta, sô". Mas também nos recusamos a fazer "lição de casa" ou tocar vida prática. Trabalha-se o mínimo necessário, mas somente em caso de sangria desatada. Folia-se uma cota obrigatória, que é pra não fazer feio de ter vindo ao mundo em pleno "esquindô, esquindô". Recebe-se uns amigos que é a atividade mais sensacional que já inventaram nesse mundão de meu Deus. E de preferência corre-se de hospital "sem hermano cucaracho", que é pra não passar uma dose dispensável de raiva (ou comparece ao PS com seu "heroi da madrugada", quando o choque evita de rodar a baiana, que é a resposta merecida de médica preguicenta que não pode seguir orientação da farmacêutica por ser "pouca coisa abaixo de Deus"). Medita-se doses homeopáticas. Não se perde da amiga, que é pra não escrever desesperada pra Deus quando ela ligar pra lá de Bagdá e vocês estiverem a léguas de distância, sem dinheiro uma da outra. Fica-se horrores na horizontal. Engole-se TVzinha de quinta categoria por razões que só a paixão ousa explicar. Confere-se com a mãe que deve ser filha do Carnaval, foi feita num feriado, mas o sono urgindo impede uma procura com mais acuidade, afinal, é o feriado mais longo do calendário, onde se desculpa todo movimento bicho preguiça irreversível. Faz-se contatos imaginários de 2o grau pela benta Internet, mas os camaradas web podem estar treinando pra aprontar filhos do Carnaval e a gente releva, se entregra pra essa força meio Dorival Caymi, em que se pára de ouvir a Vila do Sapo histérica, com seus funks e sambas de sempre. Cachorros incomodam os que fazem filhos do Carnaval. A mãe estranha tanto sono. Mas os filhos do Carnaval não. Farão os melhores tratamentos pra cútis: abraçar Morpheu. Os filhos do Carnaval ainda lamentam as estratosféricas distâncias da cidade e os dois dias querendo fugir pra casa do amigo pra conferir se a gatinha sobe na barriga de novo. Os filhos do Carnaval criam sua própria fantasia em memória dos bailes infantis, caracterizados de Pierrô em clubes família, onde ainda não se agarrava a três por quatro. Os filhos do Carnaval desconfiam que não deviam negar uma folia e que Capricornianos podem estar entre eles. Mas o barato de tratar três coisas ao mesmo tempo é menos periculoso que encher a lata na rua. Os filhos do Carnaval se ressentem do namorado doente. Cama também te amo e estou quase chegando. Guenta a bronca. Arrumar o quarto? Não inventa camarada, que coisas cotidianas não se resolve no Carnaval. Filhos do Carnaval imaginam que deitariam e rolariam no maior bloco do mundo, de Recife, preferencialmente entre primos. Mas já ficaram com claustrofobia da gentarada em plena São Paulo, menos muvucada. Alguns filhos do Carnaval se percebem "semi novo" e mergulham nos lençois que é pra não desperdiçar água salgada num feriado tão profano e ao mesmo tempo, bento pra caraca..